“Temer tinha de ser investigado antes de virar presidente e Janot não o fez”
Procurador vê cálculo político nas ações do ex-chefe do Ministério Público e elogia sucessora
Celso Três avalia que, mesmo claudicante, Lava Jato mostra "impressionante independência"
Na hora mais claudicante da Operação Lava Jato,
o procurador da república Celso Três busca entender alguns mistérios da
investigação. "(O presidente Michel) Temer tinha muitos elementos para
ser investigado antes de ser presidente. Isso é inexplicável", afirma o
procurador, lotado em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Ele considera
que o Brasil demonstra "impressionante independência" de investigações
mesmo depois da troca da direção-geral da Polícia Federal
sob influência de políticos denunciados. Mas era previsível que
houvesse reações do Governo federal e do Legislativo: "Não estão
empurrando bêbado em ladeira", brinca.
Celso
Três foi um dos procuradores responsáveis pela investigação do
escândalo do Banestado, nos anos 90, onde trabalhou com diversos
procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Ele faz críticas
pontuais ao entendimento do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot
pelo excesso de acordos de delação premiada e pela demora em investigar
Temer. É uma das raras vozes no Ministério Público a criticar
publicamente lacunas e excessos da Operação Lava Jato.
Pergunta: Como ficou a situação do presidente Michel Temer na Operação Lava Jato?
Resposta: É evidente que o
Ministério Público pode fazer mais de uma denúncia, mas não é ético
fazê-lo. Se você fez isso ou aquilo, eu (procurador) devo pegar todos os
elementos e apresentar uma acusação contra você (Janot fez duas
denúncias contra Temer). Está provado hoje que Janot sabia, sim, da
gravação da JBS. O ex-procurador Marcello Miller deu a entender que o
procurador-geral da República sabia disso. Mas, ainda assim, o que é a segunda denúncia?
Janot imputou a Temer obstrução de Justiça e (chefia de) organização
criminosa. Mas ele cita atos de corrupção que são anteriores ao mandato
presidencial. Isso que é grave contra Janot. Enquanto a ex-presidente Dilma Rousseff
estava no poder, Janot sequer abriu investigação contra Temer. Tinha
gente processada e até presa com elementos que Temer já apresentava,
como o caso da Engevix.
Isso é inexplicável. Aí quando ele vai fazer? Quando ele se convence
que não conseguiria um terceiro mandato. É inegável que Janot queria um
terceiro mandato. Temer tinha muitos elementos para ser investigado
antes de ser presidente. E não foi. Não tem nenhuma explicação para
isso. Temer tinha sido delatado pelo ex-senador Delcídio do Amaral,
apareceu em proposta de delação da Engevix, em planilhas da Camargo
Corrêa, em mensagens do celular do empresário Léo Pinheiro e tem a
história do Porto de Santos (do fim dos anos 90). Teve gente presa por
menos motivos que isso. Teria que pelo menos abrir um inquérito. Mesmo
com Temer presidente, Janot pagou um mico, porque o ministro Teori Zavascki
(morto em janeiro de 2016) chegou a devolver pedido de arquivamento com
entendimento de que podiam prosseguir investigações contra Temer, mas
Janot insistiu que não. Ele só não podia denunciar Temer por fatos
anteriores ao mandato, mas se ele tivesse investigado todos os elementos
anteriores faria uma denúncia mais forte. Na primeira denúncia contra
Temer, tudo bem, embora seja discutível a forma como foi feita a
gravação.
P. Agora a procuradora-geral
Raquel Dodge expressou um entendimento diferente ao dizer que o
ex-ministro Geddel Vieira Lima era chefe de quadrilha. Isso salva a
situação de Temer para o inquérito em andamento?
R. Geddel é certamente um dos
chefes de quadrilha, o que não exclui que Temer não seja. O fato dela
dizer que ele é chefe não significa que não tenha outro.
P. Para o senhor, ficou fragilizada a Operação Lava Jato com a chegada de um novo diretor-geral na Polícia Federal a pedido de políticos?
R. É evidente que se você está
investigando, dando trabalho ao núcleo do poder, é óbvio que vai ter
resistência. Não estão empurrando bêbado em ladeira. Assim como, quando
se investiga a máfia, é óbvio que agentes correm risco. Não é o cartel
dos padeiros. Para isso que os órgãos têm uma série de garantias, tanto
procuradores quanto juízes. Tem estabilidade, etc. São garantias para
serem utilizadas quando tem situação de confronto em que donos do poder
não tem interesse de que vá adiante investigações. Isso existe desde que
o mundo é mundo. Na Lava Jato, isso atingiu o ápice, porque atingiu o
centro do poder eleito. Mas a Lava Jato não depende tanto da direção
superior. Evidente que precisa de logística, policiais e dinheiro. E a
administração superior detém poder de restringir verbas. É preciso saber
o que aconteceu concretamente. Acho que o Brasil dá demonstração
impressionante de independência dos poderes de investigação.
P. O que motivou você a apresentar críticas sobre a Operação Lava Jato?
R. Janot produzia uma denúncia
por dia e vários arquivamentos que não eram noticiados. Sempre critiquei
isso desde o início da Lava Jato. A lei diz que a delação deve ficar em
sigilo até o oferecimento da denúncia. Tivemos situação em que o cara é
delatado e um mês depois aparecem na casa dele para buscar documentos.
Se anunciou para todo mundo, quem vai manter provas do crime? Sempre tem
um mentecapto que faz isso, mas, na regra geral, não. A delação tem que
ficar em sigilo para dar direito de defesa também. O resultado disso é
que se você observar bem é muito baixo o número de denunciados e de
condenados na Lava Jato. Claro que tem gente graúda na prisão, mas
deveria ter mais pelo tamanho do estrondo. Uma das razões que não tem
mais é que fizeram delações em efeito cascata. Delação é instrumento
importante, mas é pontual. É uma passagem de nível onde você não
consegue prova. Não se combate a máfia fazendo acordo com o Al Capone.
Tem figuras centrais que não poderiam fazer delação, como as pessoas
físicas Marcelo Odebrecht e Joesley Batista. Com empresas sempre se faz acordos porque tem que manter atividade econômica. Quem comete crime é a pessoa física.
P. Quais serão os efeitos de tantas delações?
R. O delator vai ser punido de forma muito branda. A Odebrecht é uma situação surreal. Pegaram 77 funcionários para delatores. Tinha fato atípico, fato prescrito. No caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
por exemplo, mesmo que ele tivesse praticado um homicídio (no governo),
já estaria prescrito. É óbvio que não vai ter 77 corruptores na
Odebrecht. Tinha alguns grandes, mas o resto recebia ordens. Esse
pessoal recebeu bolsa-delação. A Odebrecht pagou para eles e fizeram
isso para livrar a cara do Marcelo Odebrecht. Como não vai ser crime
pagar para delatar? O resultado é que tem muita gente sem provas para
serem processadas. Agora mesmo noticiaram que cinco das 11 investigações que envolvem governadores já foram arquivadas.
P. Ainda não houve nenhuma denúncia da nova PGR. Qual a expectativa?
R. A história da Raquel Dodge
é de muito mais combatividade do que o Janot. Onde que Janot trabalhou
em grandes questões criminais? Não existe. Mas Raquel não vai tocar uma
denúncia a cada trinta segundos contra o Temer. Uma das coisas que ela
colocou de forma discreta na campanha é a questão da divulgação
exagerada, que ela é contra.
P. Quase quatro anos depois da Lava Jato, ainda não tem nenhuma condenação em tribunal superior. Isso parece adequado?
R. Em Curitiba, é muito rápido e as sentenças do juiz Sérgio Moro
são muito bem fundamentadas. Mas dura uns dois ou três anos a instrução
no Supremo Tribunal Federal. Se analisar o tamanho do estrondo, em
qualquer país seria complicado, difícil. Qualquer produção de prova é um
parto.