O mistério da caverna
Toda a majestosa máquina de combate à corrupção e ao crime de colarinho branco não consegue explicar o dinheiro do ex-ministro Geddel.
De quem é, afinal das contas, a montanha de dinheiro socada pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima
na caverna de Ali Babá que instalou num apartamento alugado de
Salvador? Geddel já está preso há mais de um mês no presídio da Papuda,
em Brasília, logo depois que a Polícia Federal
descobriu e confiscou as 14 malas e caixas atochadas de dinheiro vivo,
num total de 51 milhões reais, que ele tinha enfurnado no seu
esconderijo. Mas até agora ninguém faz a menor ideia de onde veio e para
onde iria um único centavo dessa fortuna, ou quem é de fato o seu dono.
Em quarenta dias de intenso trabalho de investigação (imagina-se que o
trabalho esteja sendo o mais intenso possível, num caso monstruoso como
esse), as nossas autoridades policiais e judiciárias conseguiram, até
agora, apresentar um grande zero para a soma total de seus esforços.
O ex-ministro e seus advogados não disseram até agora uma
sílaba sobre o assunto. Geddel não diz se o dinheiro é dele. Não diz se
não é. Não diz nada – como, aliás, é do seu direito. Ele não é obrigado a
contar coisa nenhuma – a polícia e o Ministério Público, eles sim, é
que têm a obrigação de descobrir o que aconteceu. Tiveram o notável
mérito profissional de achar o covil onde se escondia a dinheirama, sem
dúvida. Também estabeleceram que há impressões digitais de Geddel nas
notas apreendidas – o que não chega, francamente, a ser uma surpresa
espetacular. Mas fora isso não se esclareceu mais nada. O dinheiro da
caverna pertence apenas a Geddel? Ou ele tem sócios nesse capital? Quem
seriam eles? Outra coisinha: qual a origem do dinheiro? Ele foi incluído
na declaração do Imposto de Renda de Geddel referente ao ano-base de
2016? Veio de atividades honestas de um capitão de indústria, comércio,
agropecuária ou serviços? Agora, se os 51 milhões não aparecem da
declaração do I.R., por alguma razão deve ser. Será que a bolada teria
vindo (que horror) de alguma fonte ilícita – ou será que Geddel divide
sua propriedade com outros tubarões tão grandes quanto ele, ou até
maiores? Santo Deus.
E a época em que toda essa grana foi realmente ganha, então?
Eis aqui outro enigma espantoso, que talvez permaneça sem solução pelos
próximos 1.000 anos, como nas histórias sobre a tumba do faraó. Será
que Geddel amontoou todos os 51 milhões apenas durante os seis meses em
que foi ministro de Michel Temer? Ou uma parte veio do seu vice-reinado
na Caixa Econômica Federal, durante quase três anos, no governo Dilma
Rousseff? Será que um pouquinho, talvez, não tenha rolado no governo do
ex-presidente Lula, de quem foi ministro por mais de três anos inteiros?
Uma criança de dez anos de idade, se for um pouco mais atenta, seria
capaz de fazer essas perguntas. Mas todo o majestoso monumento da
máquina pública brasileira, que é pago para garantir o cumprimento da
lei e a prestação de justiça, não respondeu nada em 40 dias. Não se
trata de uma mixaria. O ex-poderoso gigante da “base aliada” durante os
mais de treze anos dos governos Lula-Dilma entulhou em sua caverna
secreta o equivalente a cerca de 16 milhões de dólares; é coisa para se
carregar em contêiner. Ninguém está dizendo que é dinheiro roubado,
claro, não ainda – mas, se porventura fosse, a soma estaria entre as que
foram conseguidas nos dez maiores roubos da história, segundo as listas
mais populares em circulação.
Temos neste país polícias federais, estaduais, municipais,
militares, civis, procuradores, promotores, corregedores, juízes,
desembargadores, ministros e por aí afora – uma multidão que chega a
deixar a gente tonto. Só nas polícias há no Brasil, hoje, entre 550.000 e
600.000 homens, segundo os levantamentos mais recentes. Os gastos
totais com eles andam perto dos 80 bilhões de reais por ano – sem contar
o que consome o Poder Judiciário.
É óbvio que não podem fazer tudo, e que fazem muito. Mas um caso
grosseiro como o dos 51 milhões de Geddel não poderia ficar como está.
Talvez esperem uma delação dele. Talvez esperem algum fenômeno que está
fora do conhecimento público . Talvez tudo acabe muito bem explicado.
Mas até agora há apenas um vazio.
Os procuradores mais militantes do Ministério Público em
Curitiba, neste momento, têm lamentado muito o roubo de dinheiro
publico, do tipo “Open 24 horas”, que mantém em funcionamento a vida
pública do Brasil. Os ladrões estão “sob suprema proteção”, disse um
deles, referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal que mandou de
volta para o Senado a tarefa de punir ou perdoar o senador Aécio Neves –
pego numa fita gravada extorquindo 2 milhões de reais de um criminoso
confesso e bilionário. O STF “curvou-se a ameaças dos políticos”,
afirmou um outro. Tudo bem. Mas nunca lhe ocorre que uma parte do
problema da impunidade está na incompetência do Ministério Público, e
dos investigadores de crimes em geral, no trabalho de produzir provas
reais contra um Geddel Vieira de Lima, por exemplo. Não dá para esperar
muito dos cruzados quando a cruzada que fazem deixa do mesmo jeito um
mistério tão rasteiro – como esse que assombra a caverna do ex-ministro
de todos os governos. (FONTE: VEJA)