Preso por corrupção, ex-ministro Geddel era crítico ao ‘zelo pela fortuna’
Nos idos de 1981, o então formando em Administração Geddel
Vieira Lima proferiu um discurso que poderia enquadrar e constranger o
atual ex-ministro e cacique do PMDB, apontado como líder de organização
criminosa e encarcerado na Papuda após a Polícia Federal ter apreendido
R$ 51 milhões atribuídos a ele.
A reportagem leu o único livro escrito por Geddel, Visão
Contemporânea da Sociedade. A obra registra a fala do peemedebista no
dia de sua colação de grau na Universidade de Brasília (UnB). Orador da
turma, Geddel criticou governantes zelosos com a própria fortuna ao
discorrer sobre as “tormentas” da “exasperante” crise brasileira na
época, última fase da ditadura militar e ano do atentado do Riocentro.
“Quase sempre é a organização política, social e econômica,
implantada à revelia da vontade popular, com o desprezo dos mais
comezinhos princípios democráticos, ensejadora do surgimento de
ditadores que se arvoram em juízes dos destinos do povo, quando na
verdade não passam de advogados de grupos e oligarquias, que integram e
representam, e zelam pelas suas fortunas, esquecendo-se de cuidar do
bem-estar da vida na terra”, disse na cerimônia que reuniu também os
bacharéis em Ciências Contábeis.
Passados 36 anos, Geddel é acusado de receber propinas
milionárias no cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa
Econômica Federal, que ocupou no governo Dilma Rousseff. Está preso no
Complexo Penitenciário da Papuda, suspeito de obstruir a Justiça e ser o
guardião do que a Polícia Federal batizou como um “tesouro perdido”, a
maior apreensão da história. Os peritos encontraram fragmentos de
digitais de Geddel na fortuna de R$ 51 milhões, ocultada em malas e
caixas num apartamento usado pelo ex-ministro em Salvador.
O título Visão Contemporânea da Sociedade sugere mais
profundidade analítica do que as 10 páginas da obra literária de Geddel
guardam. Sem editora conhecida, o livreto é raro. Um dos exemplares jaz
esquecido na Biblioteca Pedro Aleixo, da Câmara dos Deputados. Divide a
prateleira com livros de autores que traçam análises sociológicas bem
mais complexas, como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. O
livro de Geddel nunca despertou muito interesse. Foi emprestado a um
único leitor, em julho de 1998, pelo que se depreende do registro de
devolução na última página.
No livro-discurso, Geddel fala sobre a redemocratização,
quando o general João Baptista Figueiredo reestabeleceu o
pluripartidarismo, globalização, escassez e sobre a destruição de
recursos naturais, os riscos da expansão demográfica “que em uma década
tornaria incontrolável a demanda por alimentos, serviços, transportes e
espaços”.
“A anarquia e o desespero ameaçam o futuro da humanidade”,
refletiu. “É chegado o momento da afirmação democrática… Urge restaurar a
nossa democracia (…) efetivá-la e realizá-la, purificando-a e
extirpando do seu seio a incompreensão, a violência, o arbítrio e a
intolerância que não a vivificam nem a fecundam, porém a negam e
sepultam”, escreveu.
Por mais de uma vez, Geddel, então com 22 anos, aborda com
desconfiança os interesses das classes dominantes. Hoje, o ex-ministro
da Secretaria de Governo de Michel Temer e da Integração Nacional de
Luiz Inácio Lula da Silva possui patrimônio de R$ 6 milhões declarados à
Justiça Eleitoral, entre fazendas, cabeças de gado, imóveis de luxo,
incorporadora, posto de gasolina, restaurante e um título do Iate Clube
soteropolitano.
Derrocada
Notabilizado pela instabilidade emocional, Geddel é
considerado um dos últimos riscos judiciais ao amigo Temer, pela
possibilidade de formalizar uma delação premiada. A derrocada dele
começou depois de perder o cargo, acusado por outro ministro de Temer de
advogar por interesses pessoais no governo, tentando liberar a
construção de um prédio de luxo em Salvador.
Aos colegas de UnB, Geddel afirma que os formandos tinham
dever de “administrar conflitos” e a “responsabilidade de auxiliar na
administração dos países”. Por fim, ainda elogia a escolha do paraninfo
da turma, que se tornaria seu maior adversário político, o ex-governador
da Bahia e ex-senador Antônio Carlos Magalhães. Nas palavras de Geddel,
ACM era “aquele que inspirará pela vida afora”. “A sua vida é um
exemplo de dedicação à atividade política, um perfil de sabedoria
administrativa.”
Anos mais tarde, ACM acusaria Geddel de se eleger com dinheiro
de caixa 2 e divulgaria a fita Geddel Vai às Compras, em que acusa o
peemedebista e familiares de enriquecimento ilícito por comprarem
fazendas e apartamentos “sem ter recursos”. O ex-ministro, por sua vez,
disse ter sido vítima de grampo ilegal, entre centenas de alvos, por
ordem do ex-governador, morto em 2007. Mais tarde, depois de romper
alianças com o PT, Geddel se reaproximaria do Carlismo por meio do atual
prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).