A rota da propina de Lobão
Documento obtido por ISTOÉ indica o caminho do dinheiro até o então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Impressiona a naturalidade com que ele e sua turma interferiram e se beneficiaram de contratos milionários entre multinacionais e a Petrobras
Alvo de inquéritos na Lava Jato, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) se
notabilizou em Brasília por ser um profundo conhecedor dos atalhos do
poder – e, principalmente, das benesses que a intimidade com o poder
proporciona. Natural, portanto, – embora obviamente condenável -, que
Lobão se servisse de tão estratégico, por assim dizer, “notório saber”
em benefício pessoal. O que não é natural é o desassombro com que ele e
sua turma participaram de uma trama para desviar recursos da Petrobras. É
o que mostra documento em poder da Polícia Federal, obtido com
exclusividade pela ISTOÉ. Ele traça de maneira nítida a trilha da
propina até desaguar em Lobão, então ministro de Minas e Energia.
O fluxograma da propina indica ao menos cinco pagamentos ao senador
do PMDB. Murilo Barbosa Sobrinho, funcionário da Petrobras apontado como
representante dos interesses de Lobão na estatal, era quem recebia os
recursos em nome do parlamentar. Há dois repasses realizados diretamente
para Lobão, num total de US$ 41 mil. Os outros três pagamentos, de US$
410 mil, aparecem divididos com outros beneficiários, como o ex-deputado
Cândido Vaccarezza e Márcio Aché, ex-funcionário da Petrobras, mas não
está especificado quanto foi destinado para cada um deles. Para a
Polícia Federal, o apoio político de Lobão era considerado de
fundamental importância para garantir contratos entre Sargeant Marine,
uma empresa norte-americana de fornecimento de asfalto, e a Petrobras.
Um dos acertos nos quais ele se envolveu pessoalmente rendeu à Marine
US$ 180 milhões. O esquema é o mesmo que levou Vaccarezza à cadeia. A
chancela de Lobão constituiu uma espécie de “seguro” para que não
houvesse problemas em negócios futuros com a Petrobras.
Segundo a Polícia Federal, o esquema beneficiou ao menos dez pessoas.
No documento também constam pagamentos para o advogado Tiago Cedraz,
filho do ministro do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, e alvo
da 45ª fase da Lava Jato. Com seu sócio, Sérgio Tourinho Dantas, Tiago
recebeu US$ 90,9 mil. O ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo
Roberto Costa, também levou uma bolada: US$ 270 mil em depósitos
fracionados, de valores pequenos, uma estratégia para disfarçar o
rastreamento do dinheiro pelas autoridades. Delator da Lava Jato, foi
Paulo Roberto Costa quem revelou as articulações para derrubar a empresa
que fornecia asfalto para a estatal e transferir o contrato para a
Sargeant Marine.
O rastreamento do dinheiro pela PF revelou que os repasses eram
feitos, principalmente, no exterior por meio de contas na Suíça. O
dinheiro saía da Sargeant Marine e de outras empresas do mesmo grupo e
ia para empresas offshores de Jorge Luz e do filho dele, Bruno. Eram os
dois que distribuíam a propina aos destinatários finais. Alguns valores
foram entregues em espécie. De setembro de 2010 a julho de 2012, a
empresa norte-americana fez doze pagamentos, num total de US$ 2,1
milhões em propina. Para justificar os repasses, a Sargeant Marine
firmou um contrato fictício com a Totaltec Power Solutions, empresa de
fachada de Jorge Luz. O contrato foi assinado em junho de 2010 e previa
pagamentos de até US$ 2,3 milhões por um estudo sobre o mercado
brasileiro de asfalto. ISTOÉ teve acesso ao contrato frio, hoje em poder
da PF, assinado por Luiz Eduardo Andrade, representante da Sargeant
Marine no Brasil, outro alvo da operação Abate.
Um das grandes dificuldades da Polícia Federal na Lava Jato é
identificar os recursos ilícitos que saem de grandes empresas, passam
por operadores financeiros, e chegam aos destinatários finais –
especialmente políticos e agentes públicos. Isso porque, as ferramentas
usadas para os repasses ilícitos estão cada vez mais sofisticadas e
incluem, por exemplo, contas no exterior, empresas offshores e entregas
em espécie. Mapear exatamente por onde passou a propina é um dos pontos
mais trabalhosos nas investigações da Lava Jato. Porém, quando isso é
feito com sucesso, é possível comprovar, sem sombra de dúvidas, o
envolvimento dos investigados em atos ilegais – conforme acontece agora.
À luz desse quadro, o documento entregue à PF pelo lobista Jorge Luz
ilumina o cenário e colabora de maneira decisiva com o desbaratamento do
esquema descoberto pela operação Abate. Jorge, que atua de maneira
ilícita na Petrobras desde os anos 80, tem colaborado com a Lava Jato.
Candidato a delator, ele já apresentou uma série documentos e prestou
depoimentos aos investigadores que envolveram até o presidente Lula.
Agora, ele ajuda a elucidar pagamentos de propina em que Lobão, o
“senador dos atalhos”, exibiu o tamanho de seus dentes afiados.