terça-feira, 1 de agosto de 2017

PARA FICAR, TUDO!



Concessões de Temer para se salvar detonam ajuste fiscal de Meirelles

Governo procura medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas seja maior que o esperado

Equipe econômica fez projeções otimistas e mercado especula se será capaz de cumprir meta fiscal

O ajuste fiscal do dream team comandado pelo ministro Henrique Meirelles foi derrotado pela política de salvação de Michel Temer. Enquanto o presidente abre os cofres a aliados e cede a grupos de pressão para garantir votos que barrem a denúncia do procurador-geral da República contra ele, a equipe econômica agora procura as mais diversas medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas públicas seja maior que o esperado e obrigue o Governo a mudar a meta de déficit fiscal. Na última semana, Meirelles lançou mão até da mais impopular das alternativas que a gestão Temer tentou tanto evitar: o aumento de impostos, mas nem isso sozinho parece ser suficiente para manter a bandeira da austeridade sem paralisar a máquina pública.
O caso dos impostos revela a forte contradição em que Meirelles e Temer estão mergulhados. A medida foi na contramão de um dos maiores apoiadores do presidente, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). A poderosa associação de empresários paulistas ressuscitou seu pato amarelo inflável - símbolo da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff - que rejeita alta de impostos sob o slogan "quem vai pagar o pato?". Ele voltou a ser exposto em São Paulo e em Brasília. A reação pública mascara a realidade de que nem toda classe empresarial tem motivos para se queixar. Contrariando Meirelles, Temer deu luz verde ao parcelamento de débitos de contribuintes com descontos em multas e juros de empresas, o chamado Refis, que começou a valer em maio. Um grupo de parlamentares pediu mudanças ainda mais generosas no programa para aliviar as dívidas dos devedores. Se as alterações feitas pelo relator da proposta vingarem, apenas 500 milhões de reais pingarão nos cofres públicos em vez dos esperados 13 bilhões de reais em 2017.
A quantia que o Governo esperava arrecadar com o Refis é mais do que o Governo espera arrecadar com o aumento nos impostos dos combustíveis (cerca de 10,5 bilhões de reais). Embora Temer diga que caso a proposta fique assim, ela será vetada, analistas acreditam que uma resposta contrária do presidente aumentaria ainda mais o desgaste entre Planalto e os parlamentares às vésperas da votação na Câmara da primeira denúncia contra o presidente, prevista para a próxima quarta-feira.
Outra contradição clara envolve o gasto com servidores federais. Na tentativa de mostrar que também está cortando na carne, o Governo anunciou, nesta semana, que está preparando um Programa de Demissão Voluntária (PDV) para os funcionários públicos, além de uma proposta que incentiva a redução da jornada. A medida de enxugamento da máquina pública visa desligar 5.000 pessoas e cortar cerca de 1 bilhão de reais anuais da folha de pagamento, segundo o Ministério do Planejamento. O número da economia gerada pelo programa, no entanto, cobriria uma parte minúscula do gasto com salários, que hoje consome 284 bilhões de reais por ano. Essa é atualmente a segunda maior despesa do Governo, ficando atrás apenas do dispêndio com a Previdência. Pior: o próprio Governo ajudou a aumentá-la. Temer autorizou, no ano passado, o aumento salarial de todas as categorias dos servidores públicos federais, gerando um aumento de 22 bilhões nas despesas com a folha de pagamento.
"O time de Meirelles já foi derrotado logo que entrou em quadra e teve que lidar com esse aumento do salário dos servidores. Um reajuste bastante generoso concedido por Temer, que não deveria ter sido feito. E hoje, após as denúncias contra o presidente, o Governo já não não tem capital político para aprovar nenhuma proposta no Congresso", explica Gil Castello Branco, secretário executivo da ONG Contas Abertas. Na avaliação dele, sem a "solidariedade" dos parlamentares será difícil que reformas urgentes como a da Previdência consiga ser aprovada. "Sem as medidas será muito complicado que o país reaja, hoje temos despesas obrigatórias que não param de crescer e, por outro lado, a receita reage muito lentamente", explica.
O secretário da Contas Abertas defende ainda que há muita gordura para se cortar no poder público e em reformas estruturais para equilibrar as contas. "É uma incoerência que, no meio da crise, entre abril e junho, o número de cargos comissionados tenha aumentado. Que haja casos de senadores com até 80 assessores e que, no Judiciário, há concessão de auxílio moradia para quem tem imóvel na cidade. O problema é que o Governo quer cortar gordura fazendo uma sauna quando há espaço para uma cirurgia bariátrica", critica.