Concessões de Temer para se salvar detonam ajuste fiscal de Meirelles
Governo procura medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas seja maior que o esperado
Equipe econômica fez projeções otimistas e mercado especula se será capaz de cumprir meta fiscal
O ajuste fiscal do dream team
comandado pelo ministro Henrique Meirelles foi derrotado pela política
de salvação de Michel Temer. Enquanto o presidente abre os
cofres a aliados e cede a grupos de pressão para garantir votos que barrem a
denúncia do procurador-geral da República contra ele, a equipe econômica agora
procura as mais diversas medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas
públicas seja maior que o esperado e obrigue o Governo a mudar a meta de
déficit fiscal. Na última semana, Meirelles lançou mão até da mais impopular das alternativas
que a gestão Temer tentou tanto evitar: o aumento de impostos, mas nem isso
sozinho parece ser suficiente para manter a bandeira da austeridade sem
paralisar a máquina pública.
O caso dos impostos revela a forte contradição em
que Meirelles e Temer estão mergulhados. A medida foi na contramão de um dos
maiores apoiadores do presidente, a Federação das Indústrias de São Paulo
(Fiesp). A poderosa associação de empresários paulistas ressuscitou seu pato
amarelo inflável - símbolo da campanha pelo impeachment
de Dilma Rousseff - que rejeita alta de impostos sob o slogan
"quem vai pagar o pato?". Ele voltou a ser exposto em São Paulo e em
Brasília. A reação pública mascara a realidade de que nem toda classe
empresarial tem motivos para se queixar. Contrariando Meirelles, Temer deu luz
verde ao parcelamento de débitos de contribuintes com descontos em multas e
juros de empresas, o chamado Refis, que começou a valer em maio. Um grupo de
parlamentares pediu mudanças ainda mais generosas no programa para aliviar as
dívidas dos devedores. Se as alterações feitas pelo relator da proposta
vingarem, apenas 500 milhões de reais pingarão nos cofres públicos em vez dos
esperados 13 bilhões de reais em 2017.
A quantia que o Governo esperava arrecadar com o
Refis é mais do que o Governo espera arrecadar com o aumento nos impostos dos
combustíveis (cerca de 10,5 bilhões de reais). Embora Temer diga que caso a
proposta fique assim, ela será vetada, analistas acreditam que uma resposta
contrária do presidente aumentaria ainda mais o desgaste entre Planalto e os
parlamentares às vésperas da votação na Câmara da primeira denúncia contra o
presidente, prevista para a próxima quarta-feira.
Outra contradição clara envolve o gasto com
servidores federais. Na tentativa de mostrar que também está cortando na carne,
o Governo anunciou, nesta semana, que está preparando um Programa de Demissão
Voluntária (PDV) para os funcionários públicos, além de uma proposta que
incentiva a redução da jornada. A medida de enxugamento da máquina pública visa
desligar 5.000 pessoas e cortar cerca de 1 bilhão de reais anuais da folha de
pagamento, segundo o Ministério do Planejamento. O número da economia gerada
pelo programa, no entanto, cobriria uma parte minúscula do gasto com salários,
que hoje consome 284 bilhões de reais por ano. Essa é atualmente a segunda
maior despesa do Governo, ficando atrás apenas do dispêndio com a Previdência.
Pior: o próprio Governo ajudou a aumentá-la. Temer autorizou, no ano passado, o
aumento salarial de todas as categorias dos servidores públicos federais,
gerando um aumento de 22 bilhões nas despesas com a folha de pagamento.
"O time de Meirelles já foi derrotado logo que
entrou em quadra e teve que lidar com esse aumento do salário dos servidores.
Um reajuste bastante generoso concedido por Temer, que não deveria ter sido
feito. E hoje, após as denúncias contra o presidente, o Governo já não não tem
capital político para aprovar nenhuma proposta no Congresso", explica Gil
Castello Branco, secretário executivo da ONG Contas Abertas. Na avaliação dele,
sem a "solidariedade" dos parlamentares será difícil que reformas
urgentes como a da Previdência consiga ser aprovada. "Sem as medidas será
muito complicado que o país reaja, hoje temos despesas obrigatórias que não
param de crescer e, por outro lado, a receita reage muito lentamente",
explica.
O secretário da Contas Abertas defende ainda que há
muita gordura para se cortar no poder público e em reformas estruturais para
equilibrar as contas. "É uma incoerência que, no meio da crise, entre
abril e junho, o número de cargos comissionados tenha aumentado. Que haja casos
de senadores com até 80 assessores e que, no Judiciário, há concessão de
auxílio moradia para quem tem imóvel na cidade. O problema é que o Governo quer
cortar gordura fazendo uma sauna quando há espaço para uma cirurgia
bariátrica", critica.