Em fevereiro do ano passado, os
principais líderes sindicais do PT se reuniram em São Paulo para organizar a
defesa política da presidente Dilma Rousseff e denunciar “o golpe” que, segundo
eles, estaria sendo tramado por seu vice, Michel Temer. Apesar do clima
exaltado, um dos oradores presentes, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP)
causou espanto ao pedir a palavra para defender a legalização dos cassinos no
Brasil. Após a fala, um silêncio constrangedor tomou conta do ambiente.
O episódio ilustra bem o perfil
do petista escolhido por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, para
assumir relatoria da reforma política. Há alguns dias, Cândido ganhou destaque
no noticiário nacional após o Estado revelar que ele incluiu no projeto uma
emenda que impediria a prisão de candidatos até oito meses antes das eleições.
Ou seja: sob medida para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se
articula para disputar o Planalto em 2018.
“Lula nem sabia (da emenda).
Ficou sabendo pelo Estado. Não achei relevante”, disse o deputado. Integrante
do Campo Majoritário petista, Cândido, porém, é classificado pelos colegas do
Congresso como alguém “pragmático” e “bem relacionado” com o campo governista.
Em parte, um estranho no ninho petista. “Ele foi escolhido relator devido ao
trânsito que tem com os partidos conservadores”, disse o deputado Ivan Valente
(PSOL-SP), que foi companheiro de Cândido nos tempos que era do PT.
Cartola.
Diretor de Relações Internacionais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF),
cargo pelo qual recebe um salário de R$ 35 mil mensais (que se somam aos R$
33,7 mil do salário de parlamentar), Cândido é também um dos líderes da chamada
“bancada da bola”.
Até o ano passado o petista era
sócio do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, em um escritório de advocacia.
O dado curioso é que a sociedade começou em 2007, quando Cândido se formou em
direito. No mesmo ano ele foi nomeado vice-presidente regional do ABC na
Federação Paulista de Futebol, então dirigida por Del Nero.
Em tempo: depois da graduação, o
deputado fez uma pós em direito tributário no Instituto de Direito Público
(IDP), onde foi orientando do ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas porque Del Nero convidaria
um recém formado para ser seu sócio? “Fiz estágio antes. Eu já trabalhava com
matéria tributária no Parlamento e tinha muita relação criada”, afirmou o
deputado ao Estado.
Segundo o petista, a sociedade
com Del Nero terminou para que os negócios não fossem prejudicados. O
presidente da CBF é investigado pelo FBI (equivalente à Polícia Federal dos
Estados Unidos) por suspeita de receber propina em negociações envolvendo
direitos de TV.
“O meu nome estar junto do dele
nessa conjuntura política atrapalhava o escritório. Nossos nomes caíam em
matérias sensíveis na mão de juízes. Não valia a pena. Sugeri que ele saísse
também”, disse. Procurado por meio de sua assessoria, Del Nero disse que não
iria se manifestar.
O salto político de Cândido
ocorreu em 2010, quando ele se elegeu deputado federal. Dois anos depois
assumiu a relatoria da Lei Geral da Copa do Mundo no Brasil. Nessa função,
assumiu a mediação envolvendo delicadas e tensas negociações para o torneio no
País. Cândido, por exemplo, alterou o Estatuto do Torcedor para permitir a
venda de bebidas alcoólicas nos estádios, como queria a Fifa. A partir daí,
ampliou seu trânsito com parlamentares de diferentes agremiações partidárias.
Atualmente, o leque de atuação
de Cândido na Câmara é amplo. Integra o “lobby” da legalização do jogo,
protagoniza a defesa de anistia ao caixa 2 e foi um dos idealizadores da
campanha de Maia à Presidência da Casa.
“A relatoria da reforma política
foi um dos pontos que negociei com Rodrigo Maia para arrumar votos para ele no
mandato tampão. Em troca, ele precisaria dar espaço para o bloco de oposição.
Então ele deu relatoria para o PT e disse: ‘Vai você, que tem uma relação mais
ampla’. No segundo turno arrumei uns 32 votos no PT para o Maia do total de
58”, contou o petista (mais informações na pág. A8). “Ele não foi escolhido por
isso, mas de fato foi um dos primeiros deputados a defender meu nome. É meu
amigo”, disse Maia ao Estado.
Bens. O
patrimônio declarado por Vicente Cândido à Justiça Eleitoral aumentou nove
vezes nos últimos nove anos (já descontada a inflação do período). Em 2006, o
então candidato a deputado federal declarou possuir pouco mais de R$ 170 mil.
O bem de maior valor, na
ocasião, era um apartamento na Vila Andrade, que ele declarou por R$ 148 mil.
Quatro anos depois, seu
patrimônio declarado já havia mais que triplicado nominalmente. Em 2010,
Cândido declarou possuir R$ 522,9 mil em bens. Nesta declaração, ele informa um
aumento do que dispunha em espécie: R$ 292,7 mil em contas correntes. Quatro
anos antes havia declarado ter pouco mais de R$ 11 mil em espécie.
Na prestação de contas da
campanha de 2014, o patrimônio declarado de Cândido saltou para R$ 2,12
milhões.
Racionais. Cândido já se arriscou
como empreendedor. Foi dono de padaria na periferia de São Paulo, vendida
recentemente. Aos 58 anos e nascido em Vargem Alegre, Minas Gerais, ele chegou
à capital paulista em 1970, ainda criança.
Sua militância política começou
nos grupos de juventude da Igreja Católica na Zona Sul de São Paulo. Durante a
gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1993), foi administrador regional do
Campo Limpo e presidente do PT paulistano – sempre alinhado ao Campo
Majoritário.
Na juventude, foi criado junto
com os integrantes da banda Racionais Mc’s, que fizeram comícios para ele em
1994. No começo da carreira era um político radical, mas foi mudando de perfil.
Hoje se orgulha de ser próximo de João Doria, prefeito de São Paulo (PSDB), do
senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, claro, de Lula. (Fonte: O ESTADÃO)