Condenação de Lula aumenta polarização, diz professor da FGV
Para o cientista político, um dos principais efeitos da condenação é a fragilização dos políticos tradicionais e o aumento da polarização entre os eleitores
A condenação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, evidentemente, é a notícia da vez entre
aliados e opositores. A ex-presidente Dilma Rousseff chamou a condenação a nove
anos e seis meses de “escárnio”. O PT diz em nota que “Lula não está acima da
lei, tampouco abaixo dela. O que ocorre é um processo de perseguição que se
constitui em uma aberração constitucional”.
Do outro lado do espectro
político, um dos primeiros a se pronunciar foi o prefeito de São Paulo, João
Doria (PSDB). “A Justiça foi feita. (…) Lula, maior cara de pau do Brasil, foi
condenado”.
Para o cientista político
Claudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, um dos
principais efeitos da condenação é a fragilização dos políticos tradicionais e
o aumento da polarização entre os eleitores. Tudo isso nubla ainda mais o
cenário para 2018. “Favorece também o surgimento de um outsider de posição
política extrema. E o nome mais evidente é o de Jair Bolsonaro”.
Abaixo, a íntegra da entrevista
concedida a EXAME Hoje.
Temos pela primeira vez
um ex-presidente condenado, qual a consequência imediata no mundo político?
O resultado é ambíguo, por ora.
Por um lado, você tem um processo de martirização do ex-presidente Lula, que
faz com que o setor simpático a ele o considere ainda mais como uma vítima de
um processo de perseguição jurídica. É a narrativa que Lula, seus aliados e
advogados vinham imprimindo à história da Operação Lava-Jato, assim como
boa parte da esquerda brasileira que não é necessariamente ligada ao PT. Por
outro lado, os seus detratores, sejam os localizados mais claramente à sua
direita no espectro político ou apenas aqueles que o viam como responsável por
atos de corrupção, veem a confirmação de suas expectativas. O efeito
dessas reações antagônicas é uma exacerbação do processo de polarização política.
Um lado não quer dialogar com o outro. A polarização que já existia, tende a se
aprofundar. É o grupo da “perseguição” versus o “fazer Justiça”.
É uma tendência geral de radicalização.
O PT vinha desgastado,
com a perda de 60% das prefeituras em 2016. Como fica agora?
A tendência dos petistas é
produzir mais mobilização em torno da sua principal liderança. Mas há uma clara
fragilização da candidatura dele para o ano que vem. Quando um candidato
qualquer está sob suspeitas já fica fragilizado. Se chega a virar objeto de
condenação, o desgaste é ainda maior. Considerando as pretensões políticas,
aumentaram as taxas de rejeição e há o perigo de confirmação de condenação em
segunda instância que o tiraria do pleito. Para fechar, só fica a dúvida
sobre o timing da apreciação desse recurso em segunda instância. O tempo
médio que o TRF-4 leva para avaliar o recurso e de um ano. A data acabaria
coincidindo com o momento de início de campanha eleitoral. Já pensou a
confirmação de uma condenação e transformação do candidato em ficha suja
no início do processo eleitoral? Daria um grau inédito de instabilidade
para a disputa democrática, porque não é um momento muito oportuno para
inviabilizar uma candidatura dessa importância. É a candidatura para
presidente e de um ex-presidente popular. E mesmo que o recurso
seja apreciado entre março e abril, quando convenções partidárias
costumam confirmar os nomes dos candidatos, gera-se outro problema para a
esquerda, que é formar um candidato forte até lá. Hoje, há candidaturas de porte
médio da centro-esquerda, como Ciro Gomes e Marina Silva, mas inexiste um nome
mais forte. Até uma definição sobre Lula, não há espaço para outro crescer.
A situação afeta a
eleição para o PT no Congresso?
Não ajuda, mas há um problema
que precede Lula: o distanciamento entre disputas presidenciais e para o
Congresso. No Executivo, a eleição é mais personalista e há um desgaste dos
nomes da classe política tradicional. A chance de um nome novo ou carismático
aumenta. Favorece também o surgimento de um outsider de posição política
extrema, algo diferente do que está aí. E o nome mais evidente é o de Jair
Bolsonaro. No Legislativo, a dinâmica tende a ser a de manter o andamento
tradicional da política e, consequentemente, o esperado é a recondução de políticos
de carreira. Será um Congresso não muito diferente do que temos hoje. E nesse
cenário, o PT já não vivia uma situação muito boa. A tendência ainda nesse
contexto era de dificuldade de eleger uma bancada significativa. Um dos
indicadores de previsão de eleição no Congresso é a eleição municipal de dois
anos antes. Nestas últimas, o PT foi devastado. Com ou sem Lula, eles
teriam dificuldades ano que vem. Sem Lula piora, mas seria ruim de qualquer
forma. Era um partido que pregava justamente ser diferente do que estava aí,
mas se tornou igual aos outros.
O senhor vê ação
política na Operação Lava-Jato, como dizem os aliados do ex-presidente?
Política, ela é mesmo. O
Ministério Público Federal tenta mostrar força e independência. Existe, por
parte de membros do sistema de Justiça, uma agenda própria. Não é
necessariamente ligada a este ou aquele partido no sentido convencional do
termo, ou das legendas que disputem a eleição. Mas tem uma agenda daquela
instituição como tal. Existe uma agenda do Rodrigo Janot [procurador-geral
da República], própria e política. A própria disputa que se deu entre
Janot e Raquel Dodge [opositora e indicada para sucessão no cargo] é
uma mostra. Os poderes do Estado funcionam no entrechoque. Por vezes, agentes
agem pelo partidarismo mesmo. O comportamento de Gilmar Mendes é um exemplo
claro. Talvez seja o mais chamativo, mas não é único. Mas achar que Temer ou
Lula enfrentem problemas porque o Ministério Público tem agenda própria é
fechar os olhos para evidencias que aparecem do ponto de vista do
comprometimento deles com as práticas “pouco republicanas”.
A condenação de Lula
muda algo no cenário de enfraquecimento do presidente Michel Temer?
Acho uma ligação possível.
Tivemos os debates na Comissão de Constituição e Justiça na Câmara e, com a
condenação de Lula, muita gente esqueceu o que está acontecendo com Temer.
Desvia a atenção. Mas é preciso esperar para ver como as reações vão se
desenrolar. Já se nota o questionamento aos processos da Justiça. Vão falar: ‘O
Lula é condenado e o Temer nem investigado é? Dilma sofreu um impeachment com
evidências muito mais fracas do que o que há contra Temer’. Pode gerar a
percepção de assimetria. Tratamento diferente nunca pega bem. Se o processo
contra Temer não for aceito no Plenário da Câmara, como fica a Justiça? Embora
não seja a Justiça a responsável, porque esta é uma definição tomada
primeiramente pelo Congresso, o questionamento será sobre a eficácia das leis e
a dedicação de investigação aos diferentes partidos.
Com o curso das investigações,
é possível prever como estarão os partidos para a disputa de 2018? Alguém já
desponta como potência?
Alguns já estão surfando nessa
onda. O Bolsonaro é um, a Marina Silva pode ser outra, o João Doria, mais um.
Todos em algum sentido são novos, mesmo a Marina, que ainda é vista como alguém
um pouco de fora desse círculo tradicional. O Doria nunca teve outro mandato.
Bolsonaro é um parlamentar sui generis. O crescimento eleitoral será
dos desafiantes, com propostas, trajetórias e posições muito diferentes do mainstream
político. Figuras mais tradicionais, como Geraldo Alckmin, terão vida mais
difícil. Ainda que tenha a simpatia dos eleitores do interior de São Paulo,
quando sai para outros rebanhos eleitorais é visto como mais do mesmo, ainda
que não tenha contra si evidências tão fortes como Aécio Neves. Não tem jeito:
entre os partidos, sairão muito na frente os que tiverem ideias e caras novas.
Acho difícil que tenhamos aqui um fenômeno Emmanuel Macron, porque embora seja
possível um chefe do Executivo no mesmo estilo, ter um presidente capaz de
estruturar uma chapa de partidos novos, com força, no Legislativo é
praticamente impossível. Partidos menores, como a Rede Sustentabilidade ou o
Partido Novo, que teriam capacidade de desafiar as grandes legendas, têm pouco
tempo de TV e fariam uma disputa muito desigual com os tradicionais. Não tem um
grupo de cabos eleitorais estabelecidos. Isso deixa difícil demais haver uma
renovação completa da política.