segunda-feira, 17 de julho de 2017

PT AINDA É FAVORITO, MAIS TROCOU A ESQUERDA PELO CENTRO-ESQUERDA EM NOME DO PODER



Lula ainda é o candidato mais competitivo para 2018, diz sociólogo – DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Crítico confesso das mudanças de rumo adotadas pelo PT – que, na sua opinião, trocou conscientemente a esquerda pelo centro-esquerda em nome do poder – o sociólogo e cientista político Túlio Velho Barreto, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, reconhece que o partido ainda é favorito numa eventual disputa presidencial, mesmo enfrentando um cenário adverso de envolvimento de filiados com denúncias de corrupção. Pesa ainda o fato de o PT seguir dependente de uma única figura: o ex-presidente Lula. Nesta entrevista ao Blog do Diario, Velho Barreto analisa, porém, que a situação não será resolvida de forma simples, porque além da iminência de ser preso – caso a sentença do juiz Sérgio Moro seja confirmada no tribunal de segunda instância – Lula ainda enfrentaria o que ele chama de “desfecho do golpe”, que só estaria completo se afastasse toda e qualquer chance de retorno do PT ao governo. Quanto ao preenchimento da lacuna deixada pelos petistas na esquerda brasileira, ao deslocarem-se para o centro, o estudioso afirma ser possível, mas diz que para que essa nova força torne-se eleitoralmente relevante, levará algum tempo, o que significa a manutenção do atual cenário indicados pelas pesquisas para o pleito de 2018. Leia a entrevista:
Blog do Diario – Como o sr. avalia o atual momento da esquerda neste atual contexto de avanço da direita, inclusive no Brasil
Túlio Velho Barreto – O que temos hoje é a continuidade de uma disputa secular entre distintos projetos econômicos e políticos. Assim como a economia, a política está sujeita a ciclos, e geralmente tais ciclos estão associados. Lembremos que, após a queda do Muro de Berlim e a implosão da União Soviética, isso na passagem dos anos 1980 para 1990, houve uma onda chamada de “neoliberal” em que projetos econômicos e políticos andaram juntos. Com o fracasso desses projetos, a esquerda, aqui entendida em um sentido amplo, avançou, e seus projetos econômicos e políticos tornaram-se, de certa forma, hegemônicos, particularmente na América do Sul. O problema é que os avanços estruturais foram poucos. As reformas foram insuficientes.
Blog – Mas alguma coisa deu errado, não?
Túlio – A esquerda foi tímida no enfrentamento às bases secularmente estabelecidas pela centro-direita e direita no âmbito do sistema capitalista. Nesse período, dedicou-se mais às políticas sociais compensatórias. Enfim, esqueceu que esse é um “jogo” que nunca termina. Aliás, como chamou a atenção recentemente o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Dessa forma, dedicou-se à administração das crises do capitalismo, que resultaram das gestões liberais ou neoliberais do período anterior. E, veja lá, mesmo assim a esquerda tem sido golpeada do poder, aqui e alhures. Por outro lado, partidos de centro-esquerda ou de esquerda terminaram também por reproduzir a forma histórica de fazer política da direita, em especial no Brasil, mas não só aqui, abusando do fisiologismo e adotando práticas não republicanas. Sem dúvida, hoje falta à esquerda um projeto – econômico e político – que vá além de simplesmente gerir as crises do capitalismo. E isso está na raiz de suas atuais dificuldades.
Blog – Pode-se dizer que, no Brasil, esta crise está vinculada aos casos de corrupção envolvendo, por exemplo, lideranças do PT? Tal fato inviabiliza o projeto do partido de retorno ao poder?
Túlio – Na verdade, nos últimos anos vimos figuras da política brasileira, à esquerda, ao centro e à direita, envolvidas em suspeitas de corrupção. Tais fatos nos mostram que a crise vai além dos enormes problemas enfrentados pela esquerda. É uma crise da política e da representação política. E, em se tratando do PT, é preciso que se diga que a exposição intensamente negativa do partido na grande mídia já completou mais de uma década. E mesmo assim o PT só foi alijado do poder a partir de um golpe parlamentar, que teve a participação decisiva da grande mídia, dos representantes do grande capital, em especial o financeiro, da atuação parcial do Judiciário etc. Não foi resultado de uma decisão por meio de eleição, da vontade popular. E cá estamos nós conversando sobre se o PT terá ou não fôlego para disputar competitivamente as eleições de 2018. Enquanto outras legendas entraram em crise no Brasil e simplesmente desapareceram ou se maquiaram para tentar sobreviver, como o PPS e o PDS/PFL/DEM, por exemplo. E só alcançaram o poder por meio de um golpe parlamentar.
Blog – O que teria ocorrido com o PT para que se chegasse a essa situação? Há uma possibilidade de reconstrução do partido até 2018?
Túlio – O fato é que ao chegar ao poder, o PT reproduziu, como disse, o modus operandi hegemônico na política brasileira, que, nesse último período, vamos dizer, “democrático”, tem seu DNA no primeiro governo da Nova República, capitaneado exatamente pela aliança PMDB-PFL. E que foi bem expresso e entrou para a história abusando da máxima “é dando que se recebe”, erigida na segunda metade dos anos 1980, a partir do processo constituinte. O PMDB participou de todos os esquemas de corrupção desde o período em tela e, mesmo assim, sobrevive. Aliás, ressalte-se, atualmente, está no poder. E estará com ou sem Michel Temer no cargo de presidente da República assim como participou de todos os governos desde a chamada redemocratização. Ou alguém dúvida disso? Mas o PT levou mais de uma década para tornar-se um forte competidor do cenário eleitoral. E mais de duas, para tornar-se uma real opção de poder. O problema é que ficou dependente de apenas uma liderança. No caso, o ex-presidente Lula. Então, sua reconstrução, se é que podemos falar assim, dependerá muito da possibilidade de ele disputar a presidência da República em 2018.
Blog – É possível falar da esquerda no Brasil sem o PT?
Túlio – Em minha análise, desde que se estabeleceu um projeto hegemônico no interior do PT, comandado pelo ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, após a expulsão de algumas tendências de esquerda, inclusive fundadoras do partido, e o adestramento de outras, o PT tornou-se um partido de centro-esquerda. De certa forma, é o que mais se aproxima do modelo clássico europeu da social democracia. Ou seja, um partido que nasceu com uma forte base social, sobretudo no meio operário, com a ativa participação de parcela importante da intelligentsia brasileira…
Blog – Então a crise do partido pode inviabilizar a esquerda no Brasil?
Túlio – Como dizia, o PT levou uma década para tornar-se competitivo eleitoralmente e duas, para chegar ao poder. E não se constrói partidos de massas e politicamente relevantes da noite para o dia. Daí a importância do PT no quadro político nacional e no campo que vai do centro-esquerda à esquerda. Mas a sua existência não deve e nem pode significar o preenchimento ou esgotamento desse campo. Muito pelo contrário, se afirmo que o PT é um partido de centro-esquerda, é claro que há espaço para o surgimento e a consolidação de partidos mais à esquerda no país. Mas até tornar-se eleitoralmente relevante é outra questão. A crise do PT não inviabilizou a esquerda, mas, evidentemente, criou novos desafios que talvez só sejam superados na medida em que tenhamos o surgimento de outra geração de eleitores e de líderes políticos.
Blog – Como o sr. analisa a relação do PT no poder com os movimentos sociais?
Túlio – É importante ressaltar algumas distinções entre o que representa e o que fez o PT no poder e as possibilidades da esquerda brasileira. O PT cometeu um erro recorrente na história dos partidos políticos com o perfil e a trajetória da legenda. Algo que a literatura clássica da ciência política e da sociologia política trata de forma cirúrgica. Ou seja, partidos como o PT, quando crescem eleitoralmente, tendem a gerar em seu interior uma espécie de “casta” burocrática e a criar um segmento interno formado por lideranças parlamentares eleitas, que gradativamente vão se afastando das bases, sobretudo porque vão se diferenciando socialmente delas. E ao chegarem ao poder, muitas vezes até por falta de opção, vão incorporando suas lideranças operárias e populares às diversas instâncias da gestão pública e ao assessoramento de seus parlamentares. Tais fatos tendem a enfraquecer os movimentos sociais. E não esqueçamos que, no caso do PT, a legenda é, sem dúvida alguma, do ponto de vista partidário, a principal expressão dos movimentos sociais surgidos ou ressurgidos nos anos 1970 na luta contra a ditadura militar.
Blog – Isso seria irreversível, pelo menos até as eleições 2018?
Túlio – O fato de ter sido apeado do poder, e da forma como isso ocorreu, paradoxalmente, pode contribuir para que o partido se reaproxime de suas bases históricas, os movimentos sociais e populares. Embora certamente uma parcela não confie mais necessariamente no partido, no seu projeto político e em suas lideranças. Mas, do ponto de vista eleitoral, ainda é cedo para avaliar o impacto que o afastamento do partido de suas bases e toda essa exposição negativa dos últimos anos vá causar em 2018, bem como o envolvimento mesmo de várias de suas lideranças em casos de corrupção. Até porque isso deve atingir também outras legendas.
Blog – E a situação do ex-presidente Lula neste contexto?
Túlio – O ex-presidente Lula lidera as diversas pesquisas de intenções de voto feitas pelos institutos de opinião pública. Não esqueçamos que ele deixou o poder, após oito anos, como o presidente mais bem avaliado na história do país, quando normalmente os políticos que cumprem dois mandatos sofrem com a chamada “fadiga de materiais”. Então, sem dúvida alguma, trata-se do candidato mais competitivo do ponto de vista eleitoral no campo que vai do centro-esquerda à esquerda. E da disputa de modo geral. A questão é se ele será preso ou não após a sentença desfavorável já dada pelo juiz Sérgio Moro no âmbito da Operação Lava Jato…
Blog – O sr. considera que isso pode vir a ocorrer?
Túlio – Isso ainda depende da apreciação em segunda instância. Mas, como entendo que houve um golpe parlamentar que apeou do poder uma presidenta legitimamente eleita, para que se colocasse em prática um projeto econômico de corte liberal – aliás, diga-se de passagem, um projeto rejeitado nas urnas nos últimos quatro pleitos presidenciais – em minha análise esse golpe só estará completo se afastar toda e qualquer possibilidade de retorno de Lula ao cargo. Ou de alguém apoiado por ele ou do PT. Isso poderia significar um recuo nas medidas liberais, como as reformas da previdência e trabalhista, que vêm sendo propostas e adotadas de interesse do grande capital, sobretudo do capital financeiro e especulativo. Além, é claro, da desnacionalização de nossos recursos naturais. Isso porque o ex-presidente Lula continua sendo o mais competitivo dos candidatos nesse campo. Daí ser necessário, no caso desse campo especificamente, que se procure construir alternativas à sua prisão ou à inelegibilidade.