Lula
ainda é o candidato mais competitivo para 2018, diz sociólogo – DIÁRIO DE
PERNAMBUCO
Crítico confesso das
mudanças de rumo adotadas pelo PT – que, na sua opinião, trocou conscientemente
a esquerda pelo centro-esquerda em nome do poder – o sociólogo e cientista
político Túlio Velho Barreto, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, reconhece
que o partido ainda é favorito numa eventual disputa presidencial, mesmo
enfrentando um cenário adverso de envolvimento de filiados com denúncias de
corrupção. Pesa ainda o fato de o PT seguir dependente de uma única figura: o
ex-presidente Lula. Nesta entrevista ao Blog do Diario,
Velho Barreto analisa, porém, que a situação não será resolvida de forma
simples, porque além da iminência de ser preso – caso a sentença do juiz Sérgio
Moro seja confirmada no tribunal de segunda instância – Lula ainda enfrentaria
o que ele chama de “desfecho do golpe”, que só estaria completo se afastasse
toda e qualquer chance de retorno do PT ao governo. Quanto ao preenchimento da
lacuna deixada pelos petistas na esquerda brasileira, ao deslocarem-se para o
centro, o estudioso afirma ser possível, mas diz que para que essa nova força
torne-se eleitoralmente relevante, levará algum tempo, o que significa a
manutenção do atual cenário indicados pelas pesquisas para o pleito de 2018. Leia
a entrevista:
Blog
do Diario – Como o sr. avalia o atual momento da esquerda neste atual contexto
de avanço da direita, inclusive no Brasil
Túlio Velho Barreto – O
que temos hoje é a continuidade de uma disputa secular entre distintos projetos
econômicos e políticos. Assim como a economia, a política está sujeita a
ciclos, e geralmente tais ciclos estão associados. Lembremos que, após a queda
do Muro de Berlim e a implosão da União Soviética, isso na passagem dos anos
1980 para 1990, houve uma onda chamada de “neoliberal” em que projetos
econômicos e políticos andaram juntos. Com o fracasso desses projetos, a
esquerda, aqui entendida em um sentido amplo, avançou, e seus projetos
econômicos e políticos tornaram-se, de certa forma, hegemônicos, particularmente
na América do Sul. O problema é que os avanços estruturais foram poucos. As
reformas foram insuficientes.
Blog – Mas alguma coisa
deu errado, não?
Túlio – A
esquerda foi tímida no enfrentamento às bases secularmente estabelecidas pela
centro-direita e direita no âmbito do sistema capitalista. Nesse período,
dedicou-se mais às políticas sociais compensatórias. Enfim, esqueceu que esse é
um “jogo” que nunca termina. Aliás, como chamou a atenção recentemente o
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Dessa forma, dedicou-se à
administração das crises do capitalismo, que resultaram das gestões liberais ou
neoliberais do período anterior. E, veja lá, mesmo assim a esquerda tem sido
golpeada do poder, aqui e alhures. Por outro lado, partidos de centro-esquerda
ou de esquerda terminaram também por reproduzir a forma histórica de fazer
política da direita, em especial no Brasil, mas não só aqui, abusando do
fisiologismo e adotando práticas não republicanas. Sem dúvida, hoje falta à
esquerda um projeto – econômico e político – que vá além de simplesmente gerir
as crises do capitalismo. E isso está na raiz de suas atuais dificuldades.
Blog – Pode-se dizer
que, no Brasil, esta crise está vinculada aos casos de corrupção envolvendo,
por exemplo, lideranças do PT? Tal fato inviabiliza o projeto do partido de
retorno ao poder?
Túlio – Na
verdade, nos últimos anos vimos figuras da política brasileira, à esquerda, ao
centro e à direita, envolvidas em suspeitas de corrupção. Tais fatos nos
mostram que a crise vai além dos enormes problemas enfrentados pela esquerda. É
uma crise da política e da representação política. E, em se tratando do PT, é
preciso que se diga que a exposição intensamente negativa do partido na grande
mídia já completou mais de uma década. E mesmo assim o PT só foi alijado do
poder a partir de um golpe parlamentar, que teve a participação decisiva da
grande mídia, dos representantes do grande capital, em especial o financeiro,
da atuação parcial do Judiciário etc. Não foi resultado de uma decisão por meio
de eleição, da vontade popular. E cá estamos nós conversando sobre se o PT terá
ou não fôlego para disputar competitivamente as eleições de 2018. Enquanto
outras legendas entraram em crise no Brasil e simplesmente desapareceram ou se
maquiaram para tentar sobreviver, como o PPS e o PDS/PFL/DEM, por exemplo. E só
alcançaram o poder por meio de um golpe parlamentar.
Blog – O
que teria ocorrido com o PT para que se chegasse a essa situação? Há uma
possibilidade de reconstrução do partido até 2018?
Túlio – O fato
é que ao chegar ao poder, o PT reproduziu, como disse, o modus operandi
hegemônico na política brasileira, que, nesse último período, vamos dizer,
“democrático”, tem seu DNA no primeiro governo da Nova República, capitaneado
exatamente pela aliança PMDB-PFL. E que foi bem expresso e entrou para a
história abusando da máxima “é dando que se recebe”, erigida na segunda metade
dos anos 1980, a partir do processo constituinte. O PMDB participou de todos os
esquemas de corrupção desde o período em tela e, mesmo assim, sobrevive. Aliás,
ressalte-se, atualmente, está no poder. E estará com ou sem Michel Temer no
cargo de presidente da República assim como participou de todos os governos
desde a chamada redemocratização. Ou alguém dúvida disso? Mas o PT levou mais
de uma década para tornar-se um forte competidor do cenário eleitoral. E mais
de duas, para tornar-se uma real opção de poder. O problema é que ficou
dependente de apenas uma liderança. No caso, o ex-presidente Lula. Então, sua
reconstrução, se é que podemos falar assim, dependerá muito da possibilidade de
ele disputar a presidência da República em 2018.
Blog – É possível falar
da esquerda no Brasil sem o PT?
Túlio – Em
minha análise, desde que se estabeleceu um projeto hegemônico no interior do
PT, comandado pelo ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, após a
expulsão de algumas tendências de esquerda, inclusive fundadoras do partido, e
o adestramento de outras, o PT tornou-se um partido de centro-esquerda. De
certa forma, é o que mais se aproxima do modelo clássico europeu da social
democracia. Ou seja, um partido que nasceu com uma forte base social, sobretudo
no meio operário, com a ativa participação de parcela importante da intelligentsia
brasileira…
Blog – Então a crise do
partido pode inviabilizar a esquerda no Brasil?
Túlio – Como
dizia, o PT levou uma década para tornar-se competitivo eleitoralmente e duas,
para chegar ao poder. E não se constrói partidos de massas e politicamente
relevantes da noite para o dia. Daí a importância do PT no quadro político
nacional e no campo que vai do centro-esquerda à esquerda. Mas a sua existência
não deve e nem pode significar o preenchimento ou esgotamento desse campo.
Muito pelo contrário, se afirmo que o PT é um partido de centro-esquerda, é
claro que há espaço para o surgimento e a consolidação de partidos mais à
esquerda no país. Mas até tornar-se eleitoralmente relevante é outra questão. A
crise do PT não inviabilizou a esquerda, mas, evidentemente, criou novos
desafios que talvez só sejam superados na medida em que tenhamos o surgimento
de outra geração de eleitores e de líderes políticos.
Blog – Como o sr.
analisa a relação do PT no poder com os movimentos sociais?
Túlio – É
importante ressaltar algumas distinções entre o que representa e o que fez o PT
no poder e as possibilidades da esquerda brasileira. O PT cometeu um erro
recorrente na história dos partidos políticos com o perfil e a trajetória da
legenda. Algo que a literatura clássica da ciência política e da sociologia
política trata de forma cirúrgica. Ou seja, partidos como o PT, quando crescem
eleitoralmente, tendem a gerar em seu interior uma espécie de “casta”
burocrática e a criar um segmento interno formado por lideranças parlamentares
eleitas, que gradativamente vão se afastando das bases, sobretudo porque vão se
diferenciando socialmente delas. E ao chegarem ao poder, muitas vezes até por
falta de opção, vão incorporando suas lideranças operárias e populares às
diversas instâncias da gestão pública e ao assessoramento de seus
parlamentares. Tais fatos tendem a enfraquecer os movimentos sociais. E não
esqueçamos que, no caso do PT, a legenda é, sem dúvida alguma, do ponto de
vista partidário, a principal expressão dos movimentos sociais surgidos ou
ressurgidos nos anos 1970 na luta contra a ditadura militar.
Blog – Isso seria
irreversível, pelo menos até as eleições 2018?
Túlio – O fato
de ter sido apeado do poder, e da forma como isso ocorreu, paradoxalmente, pode
contribuir para que o partido se reaproxime de suas bases históricas, os
movimentos sociais e populares. Embora certamente uma parcela não confie mais
necessariamente no partido, no seu projeto político e em suas lideranças. Mas,
do ponto de vista eleitoral, ainda é cedo para avaliar o impacto que o
afastamento do partido de suas bases e toda essa exposição negativa dos últimos
anos vá causar em 2018, bem como o envolvimento mesmo de várias de suas
lideranças em casos de corrupção. Até porque isso deve atingir também outras
legendas.
Blog – E a situação do
ex-presidente Lula neste contexto?
Túlio – O
ex-presidente Lula lidera as diversas pesquisas de intenções de voto feitas
pelos institutos de opinião pública. Não esqueçamos que ele deixou o poder,
após oito anos, como o presidente mais bem avaliado na história do país, quando
normalmente os políticos que cumprem dois mandatos sofrem com a chamada “fadiga
de materiais”. Então, sem dúvida alguma, trata-se do candidato mais competitivo
do ponto de vista eleitoral no campo que vai do centro-esquerda à esquerda. E
da disputa de modo geral. A questão é se ele será preso ou não após a sentença
desfavorável já dada pelo juiz Sérgio Moro no âmbito da Operação Lava Jato…
Blog – O sr. considera
que isso pode vir a ocorrer?
Túlio – Isso
ainda depende da apreciação em segunda instância. Mas, como entendo que houve
um golpe parlamentar que apeou do poder uma presidenta legitimamente eleita,
para que se colocasse em prática um projeto econômico de corte liberal – aliás,
diga-se de passagem, um projeto rejeitado nas urnas nos últimos quatro pleitos
presidenciais – em minha análise esse golpe só estará completo se afastar toda
e qualquer possibilidade de retorno de Lula ao cargo. Ou de alguém apoiado por
ele ou do PT. Isso poderia significar um recuo nas medidas liberais, como as
reformas da previdência e trabalhista, que vêm sendo propostas e adotadas de
interesse do grande capital, sobretudo do capital financeiro e especulativo.
Além, é claro, da desnacionalização de nossos recursos naturais. Isso porque o
ex-presidente Lula continua sendo o mais competitivo dos candidatos nesse
campo. Daí ser necessário, no caso desse campo especificamente, que se procure
construir alternativas à sua prisão ou à inelegibilidade.