
Para se tornar a segunda maior
bancada na Câmara, o PP cooptou sete novos deputados com dinheiro da Saúde e a
oferta de mais R$ 2,5 milhões para a campanha de cada um
Partido mais
encalacrado na Lava Jato, o PP, com 31 parlamentares sendo investigados por
corrupção, parece mesmo gostar de flertar com malfeitos. Para chegar à posição
de segunda maior bancada na Câmara, com 54 deputados, ficando atrás apenas do
PT, mas superando MDB e PSDB, o partido montou uma operação com o uso de
dinheiro público para cooptar novos parlamentares. O esquema foi montado pelo
presidente nacional do partido, senador Ciro Nogueira (PI), pelo então ministro
da Saúde, deputado Ricardo Barros (PR), e pelo deputado Arthur Lira (Al),
ex-presidente da Comissão do Orçamento. Os três articularam o ingresso de sete
desses novos deputados ao partido em março, durante a abertura da “janela
partidária” – período em que a Justiça Eleitoral permite a troca de partido
para a disputa de novo mandato. A cooptação ocorreu por meio de dinheiro do
Fundo Nacional da Saúde (FNS) para os municípios onde os deputados têm base
eleitoral. Além dos recursos da Saúde, os parlamentares obtiveram a promessa de
receber R$ 2,5 milhões do Fundo Partidário para cada um tocar sua campanha à
reeleição este ano
“É uma política suja, velha e
ultrapassada” Júlio Delgado
(MG), líder do PSB na Câmara, ao comentar a ida do deputado Marinaldo Rosendo
(PE) para o PP.
Para fazer a engrenagem do esquema funcionar, no último dia 28 de
dezembro, Ricardo Barros editou, ainda na condição de ministro, a Portaria
3.992, que simplificou as normas de repasse do Fundo Nacional de Saúde. Antes,
havia seis blocos de repasse dos recursos: custeio, investimentos, prestador,
demandas judiciais, obras do PAC e emendas parlamentares. Ricardo Barros
reduziu para apenas duas modalidades: custeio e investimentos.
Ministro abre o cofre
Ao mesmo tempo,
o deputado Arthur Lira, como presidente da Comissão de Orçamento, orientou os
parlamentares a não pedirem recursos na Saúde como emendas individuais, mas
como emenda de relator. E que todas fossem na modalidade custeio. Com dois
objetivos: sacadas como emendas de relator, não ficaria nítida a relação da
liberação com o nome do parlamentar que pediu o dinheiro. E, como custeio, não
haveria necessidade de apresentação de qualquer tipo de projeto mais detalhado
para utilização do recurso. Os valores começaram a ser liberados após a mudança
de partido em duas categorias na saúde: Atenção Básica e Atenção de Média e
Alta Complexidade.
A forma como funcionou a
maquininha de liberação orçamentária mostra um aumento expressivo justamente em
março, mês da “janela partidária”. Em janeiro, foram repassados R$ 5,7 bilhões.
Em fevereiro, R$ 6,5 bilhões. Em março, o valor saltou para R$ 9,3 bilhões. Em
abril, caiu novamente para R$ 5,8 bilhões. No caso da distribuição dos valores
por Estado, o ranking de liberação também chama a atenção. Somente este ano, de
janeiro a abril, Minas Gerais, que tem o maior número de municípios, ficou em
primeiro lugar no recebimento de emendas com R$ 293,3 milhões. São Paulo vem em
segundo, com R$ 234,8 milhões. Estranho é que o terceiro lugar seja justamente
Alagoas, estado de Arthur Lira, com R$ 219 milhões. E o quarto, o Piauí, de
Ciro Nogueira, com R$ 186,5 milhões. Alagoas é o 17º estado em número de
municípios. Piauí, o oitavo.
Arthur Lira é candidato a um novo mandato como deputado. Seu pai, o
senador Benedito de Lira, candidato à reeleição. Com as liberações, ambos
conseguiram apoio dos prefeitos para suas eleições. Mesmo os prefeitos de
outros partidos garantem a Benedito de Lira o segundo voto para o Senado. Ciro
faz movimento semelhante no Piauí para obter novo mandato como senador. Em um
vídeo, ele comemora com prefeitos: “Nunca se investiu tanto no Piauí”. Por
influência de Ciro, o PP passou de 30 para 84 prefeituras no Estado, além de
contabilizar 246 vereadores.
Os novos deputados
progressistas fazem questão de ostentar em suas bases que mudaram de partido
para obter mais recursos públicos. O deputado Átila Lins, ex-PSD, por exemplo,
tem como uma das suas bases eleitorais o município de Fonte Boa. Vizinho, está
Tefé, de apenas 62 mil habitantes, onde Átila Lins também atua, que recebeu R$
3 milhões. O deputado chegou a pedir pessoalmente ao presidente Michel Temer
recursos para construir na cidade de Coari um hospital da mulher. Por emendas,
Coari recebeu também R$ 3 milhões. Outras cidades da sua base foram
beneficiadas: Borba, São Paulo de Olivença e Carauari. No caso dos demais
deputados, as emendas da Saúde para suas bases foram comprovadas por ISTOÉ. Em
Sergipe, Laércio Oliveira, chegou a divulgar nota à imprensa anunciando a
liberação dos recursos para a Saúde de Aracaju, após se filiar ao PP. A cidade
recebeu R$ 700 mil.
Graças às manobras de Ciro Nogueira (PP-PI), o PP também inchou o
número de prefeitos no Piauí: pulou de 30 para 84
prefeituras no Estado
O PP nega as acusações.
Em nota, a assessoria do hoje deputado Ricardo Barros afirma que os repasses
efetuados coincidem com a liberação do Orçamento Anual. “Todos os parlamentares
foram atendidos com pagamentos de emendas impositivas, independentemente de
partido político, visando sempre a melhoria do acesso de serviços à população”,
diz a nota. O deputado Arthur Lira informou que não comentaria o assunto. Átila
Lins, Osmar Serraglio e Ciro Nogueira não responderam. Marinaldo Rosendo diz
ter trocado o PSB pelo PP porque, depois da morte de Eduardo Campos, seu antigo
partido “acabou”. “Ninguém nunca ofereceu nada para mim”, garantiu Laércio
Oliveira. Arnaldo Faria de Sá disse que resolveu antecipar-se a uma possível
expulsão do PTB. Já Alfredo Kaefer admitiu os repasses da Saúde, mas
classificou-os como “normais”.
Não é o que acham os órgãos de fiscalização e controle. Segundo uma fonte
ouvida por ISTOÉ, a compra de deputados pelo PP durante a janela de
transferências afim de inchar sua bancada, tornando-a a segunda maior da
Câmara, está na mira do Tribunal de Contas da União. Auditores da corte já
seguem o caminho do dinheiro para estabelecer a relação direta entre a troca de
partido e liberação de recursos públicos. O modus operandi da operação montada
pela tríade do PP – Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Arthur Lira – é semelhante
ao adotado no escândalo conhecido como “Anões do Orçamento”, celebrizado no
final dos anos 80.
Diante do
assédio do PP aos seus deputados, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse
que não faria leilão. Ao ver o deputado Átila Lins (AM) cruzando a porta de
saída do partido em Brasília, Kassab teria dito, segundo um deputado ouvido por
ISTOÉ: “Vá com Deus”. Não parece ser exatamente com Deus que o PP conta para
engordar sua nefasta bancada.