Pedidos de liberdade no Supremo batem recorde
O número de habeas corpus (HC) recebidos pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) cresce sem parar desde 2014 e neste ano já
atingiu o maior patamar desde 1990. Até 5 de outubro, os pedidos de
liberdade chegaram a 8.235 – 70% a mais do que a média dos últimos cinco
anos fechados. A consequência é um excesso de ações na Corte, já
sobrecarregada, que desde janeiro recebeu 78.713 processos.
“Essa questão (aumento de HCs protocolados) é ruim para o
País, porque não dá para um ministro julgar 5.000 pedidos de liberdade
por ano”, avalia o professor de direito penal da FGV-RJ Thiago Bottini.
“Isso significa que muitas pessoas não terão seus processos julgados em
tempo hábil.”
A pedido da reportagem, a Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ),
através do projeto Supremo em Números, analisou os principais temas
relacionados a HCs no período. Desde 2014, os motivos mais recorrentes
das ações estavam relacionados a revogação de prisão preventiva e a
liberdade provisória. Em 1990, os pedidos de nulidade de ação penal
figurava entre os primeiros.
O coordenador do projeto, professor de direito Ivar Hartmann,
afirma que a insegurança jurídica é um dos motivos que levam ao excesso
de questionamento. Ele explica ainda que, a partir do momento em que os
advogados percebem uma tendência divergente entre ministros e turmas não
sendo hostis a pedidos de habeas corpus, “há um estímulo para
protocolarem esses pedidos”.
O Supremo não tem nenhum estudo que indique a causa do
crescimento de pedidos de HCs. Para juristas ouvidos pela reportagem, há
quatro pontos que podem ter influenciado na escalada dessa estatística:
o aumento da população carcerária; a estruturação da Defensoria
Pública; a composição da Corte, mais aberta a receber HCs e com
divergências acentuadas entre seus membros; e a atuação mais rígida 1ª e
da 2ª instâncias.
Na avaliação do professor de direito constitucional da PUC
Pedro Serrano, há um fenômeno mundial “punitivista”, que ganhou força no
Brasil mais recentemente. “O problema é que isso implica, muitas vezes,
em práticas inconstitucionais ou que podem ao menos ser interpretadas
nesse sentido (de que cabe um HC)”, defende.
Segundo dados de 2014 do Departamento Penitenciário Nacional,
do Ministério da Justiça, a população carcerária chegou a 607 mil
pessoas, alçando o País à quarta posição no ranking mundial. A
estruturação da Defensoria Pública, também em 2014, garantiu o direito
de presos recorrerem de suas sentenças. Esses dois fatores, segundo
especialistas, compuseram um cenário com mais pedidos de liberdade.
Bottini estudou o motivo do crescimento dos HCs de 2006 a
2014. Para ele, a discordância entre os próprios ministros foi uma das
causas. “Quando o STF decide reabrir algo que já tinha discutido, cria
insegurança, e as pessoas não sabem o que está valendo. Por não saber,
vai que o caso delas é diferente? Aí entram com HC na Corte.”
Um dos casos apontados pelo pesquisador é o cumprimento de
pena após condenação em 2ª instância. Em 2010, o STF havia decidido que
ninguém poderia ser preso enquanto o processo não tivesse transitado em
julgado. No ano passado, reviu o entendimento e decidiu pela aplicação
da pena após segunda instância. Agora, há uma corrente de ministros que
quer rever novamente a regra.
Para Fernando Hideo, professor de direito penal da PUC-SP, a
decisão impulsionou os HCs. “A pena de prisão passou a ser executada já
depois do julgamento em segunda instância. Então você tem o HC, que é a
medida mais rápida e eficaz para conter o arbítrio.”
Entendimento
O estudo de Bottini também apontou uma outra causa: os
tribunais e juízes não seguiam entendimento do Supremo. “Aqui não é que
nem na Corte Suprema dos Estados Unidos, em que toda decisão deve ser
seguida pelos outros tribunais. A única obrigação é seguir súmula
vinculante”, afirma o professor. A súmula é um instrumento jurídico
tomado em decisões de repercussão geral, ou seja, todos os casos
semelhantes devem ter o mesmo entendimento da súmula do STF.
Por meio de nota, o Supremo afirmou que “uma parte dos HCs que
chegam à Corte não atende requisitos essenciais para o trâmite e, por
isso, após avaliação, não chegam a ser distribuídos entre os ministros”.
Dos 8.235 habeas corpus que chegaram ao STF neste ano, 6.380 foram
distribuídos. Além disso, o texto diz que “esse aumento (de HCs) parece
ser um fenômeno que atinge também outras instâncias do Judiciário”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.