sábado, 2 de setembro de 2017

O FILME

Quando a realidade é mais forte que a ficção

Apreensão de drogas, fugas espetaculares, contas secretas no exterior, políticos e empresários presos e um país em transe. Nem o filme “Polícia Federal - A Lei é para Todos”, que estreia nesta semana, foi capaz de superar o enredo da Lava Jato.

Se fosse preciso resumir em uma única frase a operação Lava Jato, ela poderia ser a seguinte: a maior e mais espetacular investigação da história do Brasil começou com a apreensão de um caminhão carregado de palmito e resultou na queda de uma presidente da República, na prisão de empresários e políticos graúdos e no desmantelamento de um esquema de corrupção que movimentou dezenas, talvez centenas de bilhões de reais. Por mais absurda que a descrição acima possa parecer, ela corresponde à realidade. Não surpreende, portanto, que a história tenha virado filme. No próximo 7 de setembro, estreia no País a primeira versão da trilogia “Polícia Federal – A Lei é para Todos”, que tem a ingrata missão de desbravar os labirintos da Lava Jato. A tarefa é mesmo hercúlea. Inenarrável para ouvidos desatentos, a Lava Jato fez ruir o PT, até então o maior partido do Brasil, colocou na cadeia Eduardo Cunha, número 1 da Câmara dos Deputados, encarcerou o empreiteiro bilionário Marcelo Odebrecht, além de levar à condenação de Lula e de desfazer o mito em torno dele, para citar os exemplos mais vistosos. Como retratar tudo isso no espaço restrito de um filme? “A Lava Jato nasceu para o cinema”, diz o cineasta Marcelo Antunez, também diretor das comédias “Até que a Sorte nos Separe 3” e “Qualquer gato vira-lata 2.” Depois de assistir a “Polícia Federal – A Lei é para Todos”, descobre-se algo mais revelador do que o filme em si: no caso específico da Lava Jato, a realidade é mais extraordinária do que a ficção. 

A LEI É PARA TODOS O ex-presidente Lula foi conduzido coercitivamente para depor na PF do Aeroporto de Congonhas. Ele protestou dizendo-se “preso político”. O ator Ary Fontoura (acima) interpretou Lula no filme

A apreensão do carregamento de palmito é uma das cenas mais eletrizantes do longa, mas ela traz apenas uma fração de como foi o episódio e o que ele representou de fato. A Operação Lava Jato surgiu porque a Polícia Federal queria desmantelar quadrilhas lideradas por quatro grandes doleiros brasileiros. Entre eles, Carlos Habib Chater, de Brasília, que possuía uma casa de câmbio, um posto de gasolina e um lava jato de automóveis. Por ordem do juiz Sergio Moro, a PF fez demorada escuta em seus telefones, mas a investigação não evoluía. Embora falasse com vários doleiros, Chater não citava nomes. Até que um doleiro ligou e identificou-se como Beto. Ao ouvir a escuta, o delegado Marcio Anselmo, de Curitiba, reconheceu a voz. Tratava-se de Alberto Youssef, que Anselmo havia prendido em 2003, na Operação Banestado.

DOLEIRO DRIBLOU A PF Alberto Youssef iria ser preso em seu apartamento em São Paulo, mas ele fugiu do cerco dos agentes e foi parar em São Luís (MA), onde entregou uma mala de dinheiro
No dia 21 de novembro de 2013, a PF desencadeou uma operação que resultou na apreensão de 698 quilos de cocaína, na rodovia Washington Luiz, nos arredores de Araraquara, no interior de São Paulo. A droga estava escondida em meio a uma carga de palmito. A PF descobriu que a cocaína foi paga com dinheiro de Charter, o que reforçou a denúncia do envolvimento dele com o câmbio ilegal e o tráfico de drogas. Diante das conexões entre Chater e Youssef, o juiz Sergio Moro mandou prender os dois. Yousseff, lembre-se, foi o ponto de partida que levou aos desvios na Petrobras. Depois disso, o enredo da Lava Jato começou a se aproximar cada vez mais do ambiente político. Em pouco tempo, Brasília inteira estaria desmoralizada.

O FIO DA MEADA Para desmantelar o maior esquema de corrupção do País, o juiz Sergio Moro ouviu mais de 300 acusados e milhares de testemunhas. Em quase quatro anos de operação, o depoimento mais conturbado foi o do ex-presidente Lula
O choro do delegado

A trama de “Polícia Federal – A Lei é para Todos” não faz jus aos eventos impressionantes que se desenrolavam na vida real, mas causou diferentes sensações nos personagens envolvidos. Na pré-estreia realizada na semana passada, em Curitiba, o delegado Márcio Anselmo, aquele que reconheceu a voz de Youssef na gravação telefônica, emocionou-se ao se ver retratado no cinema. Em uma das cenas em que aparece, Anselmo chorou. “É que ele achou que fosse Titanic”, brincou o também delegado Maurício Moscardi. Durante a exibição do longa, os juízes Marcelo Bretas e Sergio Moro, figuras centrais da operação, permaneceram impassíveis enquanto saboreavam uma porção generosa de pipoca. A plateia formada principalmente por procuradores, delegados e juízes não resistiu a duas cenas. A sala 5 veio abaixo quando o japonês da federal, famoso por aparecer em um sem-número de prisões realizadas pela PF, surge na tela. O ator Ary Fontoura também arrancou risos ao imitar a voz e os trejeitos do ex-presidente Lula. No final, embora o filme não seja nenhuma obra-prima, ele foi aplaudido de pé pela plateia. Ninguém, porém, foi mais reverenciado do que o juiz Moro, que tem se acostumado a ser recebido assim em eventos públicos.

PRISÃO DO PRÍNCIPE A prisão de Marcelo Odebrecht, conhecido como “o príncipe”, foi um divisor de águas: com ele foram obtidas provas que desmoronaram o cartel das empreiteiras
É sintomático que um País tão machucado por denúncias de corrupção quanto o Brasil aguarde com ansiedade a estreia nas telas de um filme que tem a Lava Jato como inspiração. Segundo o cineasta Marcelo Antunez, “Polícia Federal – A Lei é para Todos” chegará a 1.000 salas de cinema. Para efeito de comparação, o longa “Tropa de Elite”, um dos maiores sucessos da história do cinema nacional, foi exibido em 500 endereços. A Lava Jato não só tem colocado corruptos nas cadeias. Um de seus efeitos notáveis será a profunda transformação do País. Graças a ela, o próprio sistema político vem sendo questionado e, também em decorrência de seus desdobramentos, as grandes corporações ficaram mais atentas a desvios de conduta.
Na semana passada, ISTOÉ entrevistou cerca de 30 personalidades brasileiras para ouvir o que tinham a dizer a respeito da Lava Jato. É quase um consenso que ela representa uma oportunidade única para o País. Com a Lava Jato, quebra-se o tabu que prevalecia na sociedade brasileira de que a lei penal só existia para os pobres”, diz o jurista Miguel Reale Júnior. Para o médico Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group Brasil, “sua grande contribuição é o resgate de valores em um País que precisa de honestidade e transparência.” Segundo o publicitário Nizan Guanaes, o mais importante é o legado que a operação deixará. “Não conheço país emergente que esteja fazendo uma lição de casa tão importante quanto a nossa.” A opinião é compartilhada pelo empresário Carlos Wizard. “Depois da Lava Jato, o Brasil tem tudo para decolar.” Os elogios vêm de todas as áreas. “A Lava Jato é a porção redentora da Justiça brasileira”, diz a jornalista Marília Gabriela. “Ela é uma luz no fim do túnel”, afirma o apresentador Jô Soares. O grande sentimento da sociedade é que a Lava Jato não vai – e não pode em hipótese alguma – parar.