Deputados de SP já têm ‘voto distrital’
Estadão Conteúdo
Em 2014, Miguel Lombardi (PR), então vereador de Limeira
decidiu disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Após vencer quatro eleições
consecutivas para o legislativo municipal, Lombardi considerou que já reunia os
votos necessários para trocar o interior paulista por Brasília. Estava certo.
Na primeira tentativa, obteve o apoio de 32.080 eleitores, sendo 30.549
moradores da cidade.
Conseguiu uma cadeira e também o topo da lista de
deputados federais por São Paulo que mais dependem do “voto distrital” para se
eleger.
Segundo levantamento feito pelo pesquisador Örjan
Olsen, do Conselho de Pesquisas e Estudos Eleitorais (CPEE) do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), apesar de o atual sistema eleitoral brasileiro não
ser dividido em distritos, boa parte dos parlamentares já se elegem a partir do
voto regionalizado. A análise da bancada paulista, por exemplo, mostra que 60%
dos deputados concentram mais da metade de seus votos em apenas seis
municípios. No caso de Lombardi, 97% de seus votos foram de eleitores de
Limeira e região.
Antonio Goulart (PSD) traçou caminho semelhante.
Depois de renovar por quatro vezes seu mandato de vereador na Câmara Municipal
de São Paulo, candidatou-se ao parlamento federal nas últimas eleições e contou
com a base que mantém na zona sul da capital para chegar lá. Recebeu 92,5 mil
votos, sendo 88% deles só nos bairros de Capela do Socorro, Cidade Ademar,
Grajaú, Santo Amaro e Pedreira, seu reduto eleitoral.
“Na comparação com a eleição anterior, para
vereador, perdi cerca de 10 mil votos, mas para o Celso Russomanno (PRB) e o
Tiririca (PR), que são super conhecidos e tentavam a reeleição. Sou um defensor
do voto distrital, seja o puro ou o misto. A representatividade nesse sistema
aumenta muito e o custo da campanha cai quase para zero”, diz.
Para o parlamentar, é impossível um mesmo candidato
representar todo o Estado, como prevê o sistema atual, mesmo que de forma
oficial apenas. “Já no voto distrital a identificação com o eleitor aumenta.
As pessoas sabem onde é o seu escritório, conhecem
os locais que você frequenta. O contato é maior e a cobrança, também”, afirma o
deputado, que ainda elegeu seu filho, Rodrigo Goulart (PSD), para herdar seu
gabinete na Câmara paulistana.
Na reforma política em discussão no Congresso
Nacional, duas formas de voto distrital têm sido debatidas. No chamado
distritão, Estados e Municípios seriam transformados em distritos e os
candidatos mais votados seriam eleitos, respeitando-se o total de vagas atual,
tanto para as eleições de deputado como de vereadores. A outra opção segue o
modelo alemão chamado de distrital misto.
Se fosse adotado esse sistema europeu, metade das
cadeiras seria preenchida pelos candidatos mais votados em cada distrito (que
não necessariamente respeitaria os limites geográficos) e metade pelos votos
dados aos partidos, a partir de uma lista fechada de nomes. O eleitor,
portanto, teria de escolher um candidato nominalmente e uma legenda.
Estratégia
Nessa segunda opção, a estratégia de escolha dos
nomes seria alterada em relação ao que acontece hoje: os partidos precisariam
identificar os candidatos com voto regionalizado e alocá-los aos distritos,
reservando as listas para quem depende de voto mais disperso. Em São Paulo,
foram eleitos com esse voto disperso ou partidário, por exemplo, os deputados
Arlindo Chinaglia (PT), Rodrigo Garcia (DEM) e Arnaldo Jardim (PPS) – os três
tiveram só 30% ou menos de votos concentrados em uma região.
“No distrital misto, os eleitores teriam maior
facilidade de acompanhar o desempenho do parlamentar por saber exatamente quem
os representa. Já os candidatos eleitos dependeriam de um esforço contínuo de
contato com seus eleitores e de defesa dos interesses regionais para se
reelegerem”, diz Olsen.
O pesquisador, no entanto, ressalta que a divisão
dos distritos, caso ocorra, deverá ser feita levando-se em conta aspectos
técnicos e não políticos. Olsen defende que as áreas delimitadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como microrregiões e mesorregiões
sirvam de base para esse trabalho. “A capital paulista, por exemplo, seria
dividida em nove distritos em função do tamanho da sua população.”
Se o modelo avançar, o desenho a ser adotado para a
divisão oficial do território nacional em distritos, no entanto, pode fatiar os
votos hoje considerados regionalizados. Alex Manente (PPS), por exemplo, que
obteve 80% de seus votos na região do ABC Paulista (sendo 53% deles só em São
Bernardo do Campo), teria de mudar a estratégia de campanha, caso a região
fosse dividida em mais de um distrito. “Mas esse é o melhor caminho para
alcançarmos uma democracia plena, que atenda aos setores e regiões do País. O
distrital ampliaria a representatividade do voto.”
Paroquialismo
Ao mesmo tempo em que a representatividade tende a
aumentar no sistema distrital, o paroquialismo ou clientelismo político,
também, de acordo com o cientista político Carlos Melo, professor do Insper. “O
voto distrital aproxima o eleitor do eleito, mas também reduz o debate
nacional. Os deputados eleitos pelo distrito acabariam virando ‘vereadores
federais’, com interesse apenas em temas que atendam a seu eleitorado. A adoção
do distrital misto pode amenizar esse problema, mas não existe modelo
perfeito.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.