Trabalho escravo: com portaria, governo fez mudança que tramita no Congresso há 14 anos
Governo alterou regras com instrumento que não exige consulta ao Legislativo. Críticos à norma afirmam que ruralistas queriam mudança, mas não conseguiam apoio para aprovação.
Há 14 anos, tramitam no Congresso Nacional propostas que alteram o
conceito de trabalho escravo na legislação brasileira. A mudança, que enfrenta
resistência para aprovação, foi efetivada pelo governo Michel Temer, na última
semana, por meio de uma portaria – instrumento que
não exige consulta ao Poder Legislativo.
A medida, publicada na segunda-feira (16), não muda
a lei brasileira, mas altera os parâmetros que devem ser observados na
fiscalização. Antes da mudança, eram usados conceitos da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e do Código Penal para determinar o que é
trabalho escravo.
A lei brasileira define como condição análoga à de
escravo:
- Submissão a trabalhos forçados;
- Jornada exaustiva;
- Condições degradantes de trabalho;
- Restrição da locomoção em razão de dívida.
Agora, a portaria estabelece quatro pontos
específicos para definir trabalho escravo:
- Submissão a trabalho exigido sob ameaça de punição;
- Restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho em razão de dívida;
- Uso de segurança armada para reter trabalhador em razão de dívida;
- Retenção da documentação pessoal do trabalhador.
Entidades que representam auditores fiscais do
trabalho, juízes e procuradores criticam a mudança feita pelo governo e
avaliam que a nova regra é um retrocesso no combate ao trabalho escravo no
país.
O atual conceito de trabalho escravo, previsto no
Código Penal, foi instituído em 2003. No mesmo ano, foi apresentado um projeto
pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que visava promover alterações nas
normas.
A proposta foi aprovada no Senado em 2005 e seguiu
para a Câmara, onde ficou parada por dez anos, até ser aprovada pela Comissão
de Agricultura. Desde 2015, não houve andamento na tramitação.
Outro texto, que traz mudança semelhante à colocada
em prática pela portaria do governo, foi apresentado em 2015 pelo deputado
Dilceu Sperafico (PP-PR). Na apresentação da proposta, ele trouxe a mesma
justificativa dada agora pelo governo, de que a mudança traria segurança
jurídica.
“A legislação brasileira não fornece critérios
claros que ajudem a caracterizar criminalmente o trabalho análogo ao de
escravo. (...) Justamente essa falta de definição dos conceitos causa temor e
insegurança jurídica”, argumentou o deputado, quando o texto foi apresentado.
Outros dois projetos, de 2012 e 2013, também têm o
objetivo de alterar o artigo do Código Penal que conceitua o trabalho escravo.