As armações dos irmãos Batista
Como os donos da JBS gravaram meia República, se aproximaram do procurador-geral, urdiram um plano quase perfeito, mas foram abatidos quando ousaram imaginar que estavam acima da lei
A carreira de delator do empresário Joesley
Batista, dono da JBS, um império que chegou a faturar R$ 170 bilhões por ano, é
o que podemos chamar de meteórica. Em apenas três meses, Joesley foi do céu ao
inferno na velocidade de uma flecha – artefato este que ficou na moda após ser
usado simbolicamente nas declarações do procurador-geral Rodrigo Janot. O plano
urdido com a colaboração dos membros graduados da Procuradoria-Geral da
República, como o próprio procurador-geral e seu braço direito Marcello Miller,
acabou fracassando, levando à prisão Joesley, seu irmão Wesley e o executivo
Ricardo Saud. Em maio, eles posaram de malfeitores arrependidos que gravaram o
presidente da República confessando crimes, um ex-deputado correndo pelas ruas
com uma mala de R$ 500 mil e que delataram mais de 1.800 políticos por terem
recebido dinheiro sujo da empresa que administram. Pretendiam sair como heróis,
mas agora estão atrás das grades como dezenas de outros empresários réus da
Lava Jato. Amargam o encarceramento numa cela com 9 metros quadrados, sem
janelas, sem chuveiro quente ou vaso sanitário, precisando fazer as
necessidades num buraco no chão chamado, ironicamente, de “boi”. Na verdade, a
vaca foi para o brejo.
SE DEU MAL O empresário Wesley Batista foi
preso sob acusação de ter manipulado o mercado financeiro (Crédito:Divulgação)
Durante o tempo em que Joesley permaneceu
sob a salvaguarda da Procuradoria-Geral da República, o País foi sacudido por
uma hecatombe. Munido de um gravador, como se agisse como um araponga,
prestou-se a gravar a República. Os áudios abalaram o governo, e, por último,
jogaram por terra a credibilidade do principal órgão acusador, no caso, a PGR.
No meio do caminho, houve a tentativa de tentar abalar a imagem da Suprema
Corte do país, sugerindo entre um gole e outro de bebida que tinha na mão
ministros do colegiado mais prestigiado do Poder Judiciário brasileiro. Outro
grampeado foi o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Tudo isso porque
os Batista foram visitados pelo temor da prisão. Mas o perigo não o deteve.
Numa jogada de mestre, um dia antes da divulgação da delação, em 16 de maio,
vendeu na alta ações de seu grupo de empresas do ramo de alimentos.
O COMPLÔ Além de Temer, Joesley teria
gravado também o ministro do STF Gilmar Mendes (esq.). Ao gravar o ex-ministro
José Eduardo Cardozo (dir.), o ex-procurador Marcello Miller (no meio) advertiu
que isso daria cadeia
A Carne Fraca levou a JBS para dentro da Lava Jato
e, por isso, a irritação de Joesley fica clara no diálogo entre ele e Saud. “Eu
queria estar em frente do Janot e falar: ‘Janot, para. Isso é coisa de menino.
Uma operação idiota dessa”’, desabafou Joesley ao amigo e funcionário. Fica
claro que era uma farsa apresentar sua delação como espontânea.O diálogo entre
Josley e Saud foi gravado no mesmo dia em que a Polícia Federal colocou na rua
a Operação. No meio do tilintar provocado pelo gelo no copo cheio de bebida,
Josley prometia a todo momento a Saud que ninguém seria preso. Até então,
estava certo. Mais tarde se verificou que sua confiança tinha o respaldo de
autoridades do Ministério Público Federal. O plano de Joesley teve início e
consentimento da Procuradoria-Geral da República. Na última semana, a PF
concluiu que Rodrigo Janot não só sabia que o ex-procurador Marcelo Miller
trabalhava para a JBS como tinha conhecimento que ele atuava no acordo de
delação premiada. Os indícios são mensagens trocadas por Miller com os
principais dirigentes da JBS. O ex-procurador participava de um grupo de
WhatsApp com os Batista e diretores da JBS.
Os irmãos Batista amargam o cárcere
numa cela com 9 metros quadrados, sem janelas, sem chuveiro quente ou vaso
sanitário
R$ 4,2 milhões para Miller
Uma das mensagens mais eloquentes foi enviada pelo
ex-procurador na quarta-feira 5 de abril. Aquele era o último dia de Miller no
Ministério Público Federal. Com sua demissão já registrada no Diário Oficial,
ele só precisava cumprir um período de férias atrasadas. Apesar disso, de
acordo com a PF, Miller já estava obedecendo às conveniências da JBS há tempos.
As trocas de mensagens revelam um Miller que ditava o ritmo e a melhor maneira
de os irmãos Batista se moverem nas tratativas com o gabinete do
procurador-geral da República, a fim de celebrar a delação.
Para atrair Marcelo Miller, Joesley lhe ofereceu
ganhos que jamais o procurador da República teria na carreira. Logo de início,
a banca de advogados para a qual Miller trabalharia quando se desligasse do MPF
– após a celebração do acordo de colaboração de Joesley e demais – ofereceu a
ele R$ 4,2 milhões em 36 parcelas de aproximadamente R$ 110 mil. O acordo
bem-sucedido da JBS com o Ministério Público Federal renderia ao escritório de
Marcelo Miller R$ 27 milhões. Trench, Rossi e Watanabe nega que isso tenha
ocorrido.
Na segunda-feira 4, o procurador Rodrigo Janot deu
o braço a torcer. De forma comedida e econômica nas explicações, apresentou em
coletiva os motivos de mandar investigar se havia indícios de omissão de
informações dos irmãos Batista. Ao fazer isso, Janot se antecedeu à Polícia
Federal, que detinha em seu acervo de provas a gravação do diálogo regado à
bebida entre Joesley e Ricardo Saud, chamado carinhosamente de
Ricardinho, em que Joesley relata que Janot sabia da armação
orquestrada por seu companheiro de MPF Marcelo Miller. Janot sentiu na pele o
significado da frase bíblica: maldito é o homem que confia no outro.
Os movimentos de
Joesley
1 Ao
perceber que a ameaça de cadeia era real, Joesley Batista faz contatos com o
procurador Marcello Miller para orientá-lo sobre como seduzir Rodrigo Janot a
fechar o acordo de delação
2 Com um
gravador escondido, Joesley grava o presidente Michel Temer em conversa no
Palácio do Jaburu na noite do dia 17 de março
3 Joesley
vende ações da JBS um dia antes da divulgação do áudio e do conhecimento
público do fechamento de sua delação, quando a cotação dos papéis da empresa
estavam em alta. As gravações foram tornadas públicas no dia 18 de maio. No dia
seguinte, as ações desabaram. Paralelamente, ele compra US$ 1 bilhão no mercado
e lucra 9% da noite para o dia
4
Em outra frente, o empresário grava a entrega de uma mala com R$ 500 mil para o
assessor da Presidência da República, Rodrigo Rocha Loures. O dinheiro seria
para Temer. Mas nunca chegou ao presidente


