Chega ao fim mandato de 4 anos de Janot à frente da Procuradoria Geral da República
Raquel Dodge toma posse nesta segunda (18) como procuradora-geral. Sob Janot, Operação Lava Jato abriu no STF 137 investigações, cujos alvos são Michel Temer, 4 ex-presidentes e 93 parlamentares.
Após quatro anos, chega ao fim neste
domingo (17) o mandato de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria Geral da
República (PGR). Nesta segunda-feira (18), toma posse no cargo Raquel Dodge.
A gestão de Janot no comando do Ministério Público
Federal foi marcada pela maior investigação já realizada pelo órgão contra a
corrupção.
Sob a condução de Janot e uma equipe de 10
investigadores, a Operação Lava Jato levou à abertura de 137 investigações
atualmente em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), cujos alvos são:
- 1 presidente (Michel Temer);
- 4 ex-presidentes;
- 93 parlamentares (63 deputados federais e 30 senadores);
- 6 ministros do governo Temer;
- 2 ministros do Tribunal de Contas da União (TCU).
Também são investigadas no Supremo mais de uma
centena de pessoas sem o chamado foro privilegiado – como lobistas, doleiros,
ex-diretores de estatais e políticos sem mandato envolvidos com as autoridades
suspeitas.
Outras dezenas de pessoas, inicialmente
investigadas no STF, tiveram os casos remetidos para instâncias inferiores após
perda do foro privilegiado.
Fora a Lava Jato (relacionada a desvios de recursos de
Petrobras, Eletrobras, Caixa e fundos de pensão, principalmente), o Ministério
Público também investigou, sob o comando de Janot, outros esquemas de
corrupção.
Destacam-se, por exemplo, as operações Zelotes
(sobre compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da
Receita Federal – Carf –, venda de medidas provisórias e compra de caças
suecos) e a Ararath (que desvendou a existência de
bancos clandestinos destinados à lavagem de dinheiro em Mato Grosso).
Foi no período Janot que se intensificou no Brasil
o uso do que é hoje considerada a principal arma de investigação dos chamados
"crimes do colarinho branco": a delação premiada.
Só na Lava Jato, o procurador-geral conseguiu
validar 159 acordos, dos quais os mais extensos são os negociados com
executivos das empresas Odebrecht e da JBS.
A cooperação internacional na operação alcançou 48 países com a repatriação de R$
79 milhões em dinheiro sujo desviado para o exterior.
Êxitos
Desde o início das
investigações, Janot também obteve vitórias no Supremo que lhe possibilitaram
aprofundar o trabalho de combate ao crime. Uma das primeiras foi a confirmação,
em maio de 2015, pelo plenário do Supremo, do poder do Ministério Público para conduzir
investigações.
Embora, na prática,
procuradores já apurassem crimes, várias instâncias judiciais anulavam provas
por entenderem que só a polícia podia tocar os inquéritos.
Janot também saiu
vitorioso no julgamento que validou, em agosto de 2015, a delação premiada do doleiro Alberto Youssef,
um dos primeiros a citar políticos no escândalo da Petrobras. Na decisão, o STF
rejeitou o argumento de que personalidade "desajustada" do delator
coloca em risco a validade do acordo.
Em outubro do mesmo
ano, pela primeira vez na história, a PGR conseguiu extraditar um foragido com
dupla cidadania. Condenado em 2012 no mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato
fugiu para a Itália em novembro de 2013 para escapar da prisão decretada pelo
STF.
O processo de transferência ao Brasil durou quase dois anos, após várias reviravoltas
na Justiça italiana.
Outro fato inédito na história recente do país foi
a prisão de um parlamentar durante o mandato. Em novembro de 2015, o STF
aceitou o pedido de Janot para levar à cadeia o então senador e líder do governo Delcídio do Amaral.
Ele foi gravado em conversa tentando evitar a delação premiada do
ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Em 2016, Janot também teve êxito na defesa
da possibilidade de decretar a prisão de alguém após condenação pela
segunda instância. Desde 2009, o STF só admitia a prisão após
esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes. A
virada no entendimento, disse Janot, foi um "passo decisivo contra a
impunidade no Brasil".
Críticas
O maior deslize de
Janot, apontado por seus críticos, ocorreu no último mês dele no cargo. A
delação da J&F, assinada em maio de 2016 pelos executivos da empresa com o
grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, passou a ter considerado seu fim incerto na Justiça.
Embora a iniciativa de
revisar o acordo tenha partido do próprio procurador-geral, pela suspeita de
omissão de crimes pelos executivos da empresa, a colaboração virou objeto de
desconfiança maior pela suposta participação do ex-procurador Marcello Miller,
ex-auxiliar de Janot na Lava Jato, quando ele ainda integrava a PGR.
Janot sustenta que o único prejuízo no caso será para os próprios delatores, que poderão
perder seus benefícios, e que as provas entregues por eles continuam válidas.
A questão ainda será discutida pelo Supremo, mas
fora da gestão Janot – caberá à sua sucessora, Raquel Dodge, manter de pé as
gravações feitas por Joesley Batista com o presidente Michel Temer e outros
políticos citados.
Ainda dentro da novela J&F, a imagem do
procurador saiu manchada, na avaliação de críticos a ele, com a divulgação de
uma foto na qual ele aparece sentado numa mesa de bar em Brasília com o advogado de
Joesley.
O flagrante ocorreu um dia antes da prisão do empresário, pedida pelo próprio
Janot. Questionado, ele disse que o encontro ocorreu por acaso e negou ter
falado sobre a prisão com o defensor.
Mesmo antes do imbróglio com a J&F, Janot
sofreu alguns reveses na Lava Jato. Em abril de 2015, a Segunda Turma do STF
tirou da cadeia, de uma só vez, nove executivos de empreiteiras que haviam sido
presos preventivamente a pedido de Janot. A maioria considerou prolongados os
quase cinco meses em que estavam encarcerados sem qualquer condenação na
Justiça.
Revés semelhante ocorreu no início deste ano,
quando o STF também mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, o
ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai, todos
já condenados na Lava Jato.
Também é apontada como derrota de Janot a escolha,
pelo presidente Michel Temer, da subprocuradora Raquel Dodge para sucedê-lo na PGR. Janot apoiava Nicolao Dino, que obteve a maioria
dos votos na lista de três nomes indicados pela associação de procuradores –
Dodge foi a segunda colocada.
Despedida
Apegado à família – é
casado e tem uma filha –, torcedor fanático do Atlético-MG, apreciador de
cerveja e culinária, Janot espera, enfim, deixar de lado os holofotes e a ira
dos políticos.
Após a despedida do comando da PGR, na última
sexta (15), ele deve entrar em férias de 30 dias, e depois voltar à PGR como
subprocurador-geral da República, cargo que ocupava anteriormente.
Embora tenha cogitado
se aposentar, deve permanecer no órgão e, com isso, manter foro privilegiado no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) – há o receio de que, devido às dezenas de
acusações que fez contra políticos, passe agora a ser alvo de ações.
Os planos de Janot, no
entanto, incluem, ainda em 2017, iniciar uma licença de um ano da PGR a que
ainda tem direito.
Depois, ao se aposentar
e após três anos de quarentena, o projeto é atuar na iniciativa privada,
prestando consultoria na área de compliance, nome que se dá ao conjunto de
políticas anticorrupção adtoadas pelas empresas.
