Governo, Exército e Ministério Público não atuam contra general que defende a intervenção militar
Ministro da Defesa afirma que “há um clima de absoluta tranquilidade" após as declarações do general Mourão, e MP não vê crime na fala do militar
O polêmico general Antônio
Hamilton Mourão voltou ao centro das atenções no final da semana passada ao
defender um golpe militar no Brasil por conta da crise política enfrentada pelas
instituições. Diante do possível cometimento de um crime militar, ao, em tese,
incitar seus subordinados a transgredirem a ordem constitucional, nem o
Ministério da Defesa, nem o Exército abriram até a noite desta segunda-feira
qualquer investigação formal para apurar a conduta do militar. Em nota, o
ministro da Defesa, Raul Jungmann, informou que convocou o comandante do
Exército, general Eduardo Villas Bôas, “para esclarecer os fatos relativos a
pronunciamento de oficial general da Força e quanto às medidas cabíveis a serem
tomadas”.
No documento, Jungmann também afirmou que
“há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de
disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas”. Questionada, a
Procuradoria Geral da Justiça Militar informou que analisou a fala de Mourão e
não encontrou “nenhum ilícito penal previsto no Código Penal Militar”.
Especialistas divergem dessa
avaliação. “O militar que apoiar, divulgar ou incitar o povo para participar de
um golpe, afronta as leis constitucionais e infraconstitucionais, e fere de
morte a hierarquia e disciplina militar, bases fundamentais do militarismo”,
afirmou o advogado Almir Pereira da Silva, que atua na área de direito militar
em São Paulo.
A fala de Mourão ocorreu quando
ele respondia a perguntas após proferir uma
palestra em uma loja maçônica de Brasília. Um dos questionamentos
foi se ele concordava de que, com poderes cheios de corruptos (incluindo um
presidente da República denunciado criminalmente duas vezes), não seria o
momento de se ter uma “intervenção militar”. Eis um trecho da resposta do
general Mourão: “Na minha visão, que coincide com a dos companheiros que estão
no alto comando do Exército, estamos numa situação que poderíamos lembrar da
tábua de logaritmo, de aproximações sucessivas. Até chegar ao momento em que ou
as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário,
retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou,
então, nós teremos que impor isso”.
Histórico
O histórico do general é marcado
por seu posicionamento favorável ao fim do regime democrático. Em outubro de
2015, ainda no Governo Dilma Rousseff (PT), Mourão foi exonerado
do Comando Militar do Sul. A principal razão foi por ele dizer, também em uma
palestra, que era necessário um “despertar para a luta patriótica”. Criticou a
gestão federal e reclamou dos seguidos escândalos de corrupção. Na época, a
petista vivia uma intensa crise política que resultou menos de um ano depois em
seu impeachment. Sua “punição” foi se tornar secretário de Economia e Finanças
do Exército. É um dos responsáveis pelas contas da Força Militar. Desde que
perdeu o comando da região Sul do país, contudo, Mourão se tornou uma espécie
de ícone dos que defendem um golpe militar.
No período, pré-impeachment, em
frente ao Congresso Nacional, em Brasília, era comum ver durante os protestos
contra Dilma, o gigantesco boneco inflável do general Mourão. Com 12 metros de
altura, vestido com uniforme militar, batendo continência e usando uma faixa
presidencial no peito, o boneco foi criado por manifestantes favoráveis ao fim
do regime democrático e costumava ficar ao lado de um caixão com figuras de
Dilma e de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
A faixa presidencial que antes
estampava apenas esse boneco, aparentemente, tornou-se um sonho para os
apoiadores do general. Como ele vai se aposentar (ou entrar para a reserva no
jargão militar) em março do ano que vem, já há sondagens para que se candidate
à presidência da república. Oficialmente, ele ainda não se manifestou sobre
suas pretensões políticas.
Uma das poucas entidades que se
manifestou contrária à fala do general foi o Fórum Brasileiro de Segurança. Em nota oficial, essa ONG afirmou que as declarações
do general causam “estranheza e preocupação” no mesmo momento em que as Forças
Armadas suspendem suas atividades extras no Rio de Janeiro por conta da falta
de recursos financeiros. “Esta declaração é muito grave e ganha conotação
oficial na medida em que o general estava fardado e, por isso, representando
formalmente o Comando da força terrestre”.
Procurado, o general não foi
localizado pela reportagem. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no
domingo, ele alegou que não estava “insuflando nada” ou “pregando intervenção
militar”. Também disse que falava em seu nome, não no do Exército.
