Valentina de Botas: Quando entrar setembro e outras notas
Os rivais
das reformas de que o Brasil depende têm seu santo padroeiro na figura do
procurador-geral (Fonte: AUGUSTO NUNES - REVISTA VEJA)
Janot conseguiu fatiar a
denúncia contra Temer mantendo o presidente e o país nesta atmosfera úmida de
fim-de-mundo. Também ajuizou uma ação de inconstitucionalidade contra a
terceirização da atividade-fim, fóssil trabalhista que só respirava na
legislação fossilizada do TST e aumenta os custos de quem produz e gera
empregos. Não tem ideia do que é custo quem, do topo do marajanato do
funcionalismo público ou nas cercanias dele, não lida com a vida empírica num
Brasil arcaizado por velharias como a que Janot quer resgatar. Na mesma guilda
ideológica, chafurdam sindicalistas, petistas e congêneres. Sem gerar um só
emprego, sem arriscar um só centavo empreendendo, sem conhecer a apreensão para
fechar a folha de pagamento todo mês, sem saber da angústia se terminará o
expediente ainda empregado, sem compromisso com a eficiência, sem ter de se
preocupar com a concorrência, os rivais das reformas de que o Brasil depende
têm seu santo padroeiro na figura do procurador-geral. Aparentemente, Janot
resolveu trabalhar nos últimos meses de seu mandato cumprindo esta pauta de
esquerda para, quando entrar setembro, Temer e tantos mais brasileiros percam o
emprego. Na pressa, o PGR se esqueceu das provas. Nestes dias que são assim,
quase ninguém sentirá falta delas, aposta. Tivesse mais competência e apetência
para o trabalho, mais obediência à lei e nenhuma paixão política, Janot poderia
ter monitorado Rocha Loures até o ex-deputado receber quatro ou cinco das
centenas de milhares de malas semanais de dinheiro que, na anedota de
Janoesley, Temer pediu até os 102 anos de idade para proteger a JBS no Cade. Em
vez de esperar essa sequência que poderia robustecer a denúncia de corrupção
passiva contra o presidente, preferiu pegar Loures na primeira mala e acabou
apresentando uma denúncia vexaminosa. Mas até setembro, o PGR permanece na
semeadura de crises e desencanto para a colheita de um presidente representante
das forças derrotadas no impeachment.
Cansados e ignorados
Claro que a Lava Jato não abala
a economia, mas o petismo, esta soma miserável de incompetência com
roubalheira. Tanto é assim que o impeachment de Dilma Rousseff fez a economia
parar de piorar e o governo Temer, com as investigações em andamento, conseguiu
fazê-la começar a melhorar. Mas também é claro que essa coisa meio vaga mesmo
concreta, chamada país, foi impactada pelas acusações de Jaoesley e a
reconstrução do futuro recuou. Acontece que, a despeito do que pretende o
Pravda Global expandido, o Brasil vago e concreto procura alguma estabilidade na
instabilidade e percebeu que, se são todos bandidos e se a política virou uma
guerra de facções em que cada uma tem juízes/ministros/meganhas preferenciais e
porta-vozes menos ou mais influentes, o negócio é cuidar da vida ignorando essa
gente o quanto possível já que por ela é ignorado.
Atmosfera inebriante
A atmosfera estava tão úmida que
os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar
dos aposentos. Me lembrei dessa passagem de 100 Anos de Solidão pensando
que, na umidade em que nos afogamos desde a notícia da conversa imprópria
gravada entre Temer e Joesley, a transição da razão para a loucura impregna o
ar. Então, é assim que, segundo o Pravda Global expandido, Raquel Dodge chefiar
a PGR revela 587 pmdbistas, regidos por Gilmar Mendes, entre os procuradores
votantes. Todos sabemos que o tônus e a tara do PMDB são cargos públicos… mas
concursados? A Temer está vetada uma prerrogativa do cargo – escolher da lista
tríplice quem ele quiser e até mesmo fora dela –, parece que a única
prerrogativa que lhe concedem é pedir para sair. Na umidade encharcando tudo, a
PF suspender a emissão de passaportes reproduziu discursos de alerta úmidos de
imoralidade: “querem-acabar-com-a-Lava-Jato”. A PF periodicamente suspende a
emissão de passaportes e os procuradores que denunciaram o mela-LJ do dia sabem
como funciona o orçamento, que uma rubrica não interfere necessariamente na
outra. A PF sabe e jornalistas que querem saber
podem saber se quiserem. Mas informar sem deformar interrompe o gozo da manada
no país úmido de caos impregnado no odor de imoralidade trescalante dos
moralistas histéricos: no dia seguinte, com a umidade banhada na histeria
orquestrada, descobriu-se que a verba foi mal utilizada pela PF, nada
mais. Não tem jeito, enquanto a PF (com um relatório contra Temer baseado
em considerações sociopolíticas), o MPF (com procuradores escrevendo artigos
panfletários e institucionalmente inadmissíveis) e o PGR (querendo decidir quem
governa o país em vez de trabalhar direito) agirem politicamente, provas deixam
de ser obtidas, investigações perdem o foco e as denúncias resultam
inconsistentes. Tudo somado, confirma-se que a LJ só pode ser prejudicada por
si mesma enquanto não entender que a bandidagem teme apenas MPF e PGR independentes,
aqueles que preferem a eficiência dentro da legalidade à militância
panfletária.
Legado reciclado
Jaoesley, Fachin, Temer e o país
no meio de uma guerra entre facções, eis o miserável legado petista. Os tutores
da nossa indignação nos interpelam diariamente: por que a população não vai às
ruas? Ora, e o que fazemos com a vida pra se ganhar e com esse desencanto nos
olhos de ver horizontes desfeitos? Do
Pravda Global a porções do MPF e os procuradores-gerais que se calaram enquanto
o PT construía o legado miserável do desencanto, todos querem a cabeça do
mordomo que, mesmo integrando o legado, ameaçou timidamente desmontá-lo
reformando o país e ampliando o diminuto espaço para o pensamento liberal. Ele
não pode ser investigado? Claro que pode, afinal Janot informou à nação que
ninguém está acima da lei, somente Dilma Rousseff (que ele não denunciou por
Pasadena, por exemplo), ele próprio e Joesley. Também eu quero que o mordomo
legado pela organização criminosa se entenda com a lei, só que dentro da lei.
Não é o que está acontecendo, qualquer rês fora da manada sabe disso, e as
ilegalidades de Janot e Fachin resultam na reciclagem do legado.
Mulher Maravilha e
Hesíodo
Não
foram as broncas de mamãe porque eu rasgava ou perdia as fronhas que amarrava
na cabeça para brincar de Noviça Voadora que me fizeram mudar
de heroína para a Mulher Maravilha, dois seriados deliciosos de tão
tosquinhos da minha infância, mas principalmente o look de maiô com botas e o
avião invisível da Lynda Carter. Que garota que quer ser mulher e poderosa
resistiria? Em Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo, há quase 3.000
anos, deixou para Homero os prodígios dos heróis gregos, e, exortado pelas
Musas, abordou os fardos no coração dos homens e como essas criaturas só podiam
ter esperança na Justiça, a filha preferida de Zeus. Pequeno agricultor
dependente do trabalho diário e braçal para sobreviver, o poeta arcaico
questiona por que o mal existe quando o irmão corrompe juízes para tomar-lhe a
terra que lhe cabia na partilha da herança paterna. Hesíodo é particularmente
interessante pela referência ao “eu” narrativo-poético numa voz autobiográfica
pertencente a um ser histórico, o primeiro poeta ocidental a fazer
considerações sobre sua vida pessoal e a falar em seu próprio nome. Talvez isso
marque a passagem de uma poética em que o aedo deixa de ser um mero
intermediário das musas para estabelecer uma individualidade demarcada no
mundo. Não sei. Nem importa se o eu hesiódico era ficcional ou não, mas que a
observação posta ali era a de uma vida passível de ser vivida por qualquer
homem daquela época, a dos “reis devoradores de presentes”, em alusão à
corrupção, num tempo em que reis administravam a Justiça. Também antes de
Hesíodo e depois dele (Kant, Pascal, Camus, Unamuno, Hannah Arent, Santo
Agostinho, etc.), a gente se pergunta qual o papel do mal no mundo e sobretudo:
se há um Deus e Ele é bom, por que existe o mal? Das muitas teorias
disponíveis, gosto da que diz que o mal está aí para que o bem se revele e que
Deus fez o mundo assim para
que tenhamos a oportunidade de O ajudar a melhorar Sua obra, o que nos inclui.
Não sei. O que sei é que a bela Gal Gadot merece uma frota de aviões invisíveis
pela atuação natural no ótimo e despretensioso Mulher Maravilha. Vá
assistir, eu fui com meu avião invisível.