O ex-diretor da Petrobras Renato
Duque acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter recomendado que destruísse
provas da propina recebida por petistas fora do Brasil no escândalo do
Petrolão. Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro nesta
sexta-feira (5), ele também relatou três encontros com o ex-presidente, entre
2012 e 2014, quando já não trabalhava mais na estatal e Lula não era mais
presidente.
De acordo com a
força-tarefa da Lava Jato, Duque foi indicado pelo Partido dos Trabalhadores
para a diretoria de Serviços, área responsável por grande parte da propina de
contratos da Petrobras destinada ao partido. Até esta sexta, Duque havia se
mantido em silêncio sobre seu papel na estatal. Foi a primeira vez que ele
falou sobre o esquema a Moro.
Duque disse que
encontrou Lula em 2012, 2013 e 2014. “Nessas três vezes, ficou claro, muito
claro pra mim, que ele tinha o pleno conhecimento de tudo e detinha o comando”,
afirmou Duque.
Os advogados do
ex-presidente Lula afirmam que o depoimento de Renato Duque é uma tentativa de
fabricar acusações ao ex-presidente. "Como não conseguiram produzir
nenhuma prova das denúncias levianas contra o ex-presidente, depois de dois
anos de investigações, quebra de sigilos e violação de telefonemas, restou aos
acusadores de Lula apelar para a fabricação de depoimentos mentirosos".
O ex-diretor de
Serviços da Petrobras foi ouvido pelo juiz Sérgio Moro em uma ação penal da
Operação Lava Jato que apura se o ex-ministro Antonio Palocci recebeu propina
para atuar a favor da Odebrecht. A denúncia trata de pagamentos feitos para
beneficiar a empresa SeteBrasil, que fechou contratos com a Petrobras para a
construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal.
Duque já foi condenado
a mais de 50 anos de prisão em quatro ações da Lava Jato e é réu em pelo menos
outros seis processos decorrentes da operação que estão em andamento na 13ª
Vara Federal de Curitiba.
Como réu neste processo, ele havia ficado em silêncio durante interrogatório
realizado em 17 de abril e pediu para ser interrogado novamente pelo juiz.
Segundo Duque, no último encontro, em julho de 2014, já com a Lava Jato
em andamento, Lula perguntou se ele tinha recebido algum dinheiro das sondas no
exterior. O ex-presidente teria alertado a ele: “Presta atenção no que eu vou
te dizer: Se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no teu nome,
entendeu?”.
Ainda conforme o réu, o ex-presidente perguntou se ele tinha recebido
valores da empresa SBM em uma conta na Suíça, relatando que a ex-presidente
Dilma Rousseff tinha a informação que um ex-diretor da Petrobras teria recebido
dinheiro no exterior.
Duque negou ter recebido dinheiro da SBM. Lula então perguntou se Duque
recebeu dinheiro das sondas. Ao juiz, Duque afirmou que tinha recebido, mas
que, no encontro, negou a Lula que tivesse recebido valores.
Segundo Duque, Lula disse ainda que a ex-presidente estava preocupada
com o assunto e que iria tranquilizá-la.
“Teve um segundo encontro que, da mesma
maneira, fez perguntas sobre sondas, porque não estava recebendo até então, em
2013. Ele perguntou se eu sabia por que as empresas não estavam pagando. Eu não
soube responder também, porque não acompanhava isso”, contou.
Os encontros foram todos a pedido de Duque, para agradecer a Lula o
período que permaneceu na Petrobras.
Arrecadação de propina
Duque afirmou que Lula determinou, por meio do ex-ministro Paulo
Bernardo, que, a partir de 2007, a arrecadação de propina ao PT por meio de
contratos da Petrobras fosse negociada com João Vaccari.
O ex-presidente, ainda de acordo com Duque, era chamado de Chefe, Grande
Chefe ou Nine nas conversas, segundo o ex-diretor de Petrobras.
Eu fui chamado a Brasília e essa pessoa [Paulo Bernardo] falou: ‘Olha,
você conhece uma pessoa indicada pelo...’. Ele fazia esse movimento [Duque
passa a mão no queixo], não citava o nome. O presidente Lula era chamado como
Chefe, Grande Chefe, Nine ou esse movimento com a mão. Você vai receber uma
pessoa que está sendo indicada e ele vai conversar com você. Ele vai ser,
agora, quem vai atuar junto às empresas que trabalham para a Petrobras. Foi
quando eu conheci o Vaccari, em 2007”. Assista ao vídeo acima.
Negociação de valores
Renato Duque descreveu ao juiz Sérgio Moro como foi a negociação da
divisão dos valores das propinas pagas pelos estaleiros entre os funcionários
da estatal, que eles chamavam de “casa” e o partido. Segundo ele, normalmente
os pagamentos ilícitos eram divididos meio a meio entre casa e partido. No
entanto, nesses contratos, houve uma definição diferente com atuação do
ex-ministro Antonio Palocci.
“O desdobramento, pela primeira vez em todos esses anos, o Vaccari não
deu uma posição final. O Vaccari falou assim: olha, nesse assunto específico,
eu vou consultar o Antonio Palocci. Ele citou como doutor, se referia a Palocci
como doutor ou doutor Antonio, nunca como Palocci, porque o Lula encarregou o
Palocci de cuidar desse assunto”, explicou Duque.
Após conversar com Palocci, provavelmente em novembro de 2012 segundo o
réu, Vaccari retornou e disse a Duque e Barusco que, nesse caso, os valores
seriam divididos em 1/3 para a casa e 2/3 para o partido.
O ex-diretor afirmou ao juiz Sérgio Moro que recebeu aproximadamente 3,8
milhões no Banco Kramer, sem especificar a moeda. Segundo o acusado, o valor
total da propina seria maior, pois o acordo era para que ela fosse paga ao
longo da obra.
Duque informou, ainda, que chegou a calcular que o total destinado a
ele, de 1/6 do valor da propina, somaria aproximadamente US$ 33 milhões.
“Então, se multiplicar isso por seis, vai dar quase US$ 200 milhões”, pontuou.
Dessa forma, de acordo com as contas de Duque, o PT receberia mais de US$ 130
milhões referentes aos contratos.
Moro perguntou a Duque como ficou definido o pagamento de propina ao
partido político pelos estaleiros. “Os 2/3 do partido político, Vaccari me
informou que iriam para o Partido dos Trabalhadores, para José Dirceu e para
Lula. Sendo que a parte do Lula seria gerenciada por Palocci”, detalhou.
Conforme o réu, ele saiu da Petrobras em 2012 e não tinha relação com a
SeteBrasil. No entanto, ele recebeu dinheiro referente a esse contrato porque
Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras e delator da Operação Lava Jato, pediu
para usar a conta dele e, para isso, pagaria um percentual sobre os valores
depositados.
Indicação de José Dirceu
Duque afirmou que foi o ex-ministro José Dirceu quem decidiu escolhê-lo
para a Diretoria de Serviços, após embate entre os ex-tesoureiros do PT Delúbio
Soares e Silvio Pereira. Delúbio defendia a indicação de Irani Varella,
enquanto Pereira preferia Duque.
"O José Dirceu, então ministro, foi
chamado para dar uma decisão. A decisão dele foi clara. Ele falou: ‘Não, o PSDB
já está contemplado na diretoria da Petrobras, e eu não vou atender a um pedido
do doutor Aécio Neves. Então, quem vai ficar na diretoria é Renato Duque”.
O ex-diretor da Petrobras disse que se arrependeu de receber tanto
dinheiro de propina. “Quando atingiu determinado valor, aquilo para mim era
mais do que suficiente. Para que você vai querer juntar dinheiro? Eu não usei
esse dinheiro. Quando atingiu 10 milhões de dólares, eu falei: é muito mais do
que eu preciso para viver e minha terceira geração”.
Em nota, a assessoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a
afirmação de Duque "já foi desmentida duas vezes". "O lobista
Fernando Moura afirmou textualmente em seu depoimento que, no caso mencionado
por Renato Duque, Delúbio Soares usou indevidamente o nome do senador Aécio
Neves para esconder uma indicação feita, na verdade, por ele próprio", diz
o texto. Leia a nota completa no fim da reportagem.
Ao final do interrogatório, Duque afirmou que se sente mais leve por ter
falado. “Eu cometi ilegalidades. Quero pagar pelas ilegalidades, mas quero
pagar pelas ilegalidades que eu cometi”.
O réu fez um comparativo da situação que vive com uma peça de teatro.
“Eu sou um ator, tenho um papel de destaque nesta peça, mas eu não fui e não
sou nem o diretor nem o protagonista desta história. Eu quero pagar pelo o que
eu fiz”.
O ex-diretor da Petrobras ainda se colocou a disposição para esclarecer
fatos e disponibilizar as provas que tiver. “Estou aqui para passar esta
história a limpo”.
Ele disse que nunca tratou com o Palocci as questões das sondas.
O que dizem as defesas
A defesa de Antonio Palocci afirmou que as afirmações de Duque são
"uma tentativa desesperada, uma bala de prata para tentar minimizar a sua
condenação. A bala de prata é o último recurso".
O advogado de José Dirceu, Roberto Podval, afirmou que ainda não tomou
conhecimento do depoimento de Renato Duque.
Verônica Sterman, responsável pela defesa do ex-ministro Paulo Bernardo,
informou que a alegação de Renato Duque é mentirosa e totalmente fora de
contexto. "Paulo Bernardo nunca esteve com Renato Duque", diz a
defesa.
O advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D'Urso, afirmou: "As
declarações do Sr. Renato Duque com respeito ao Sr. Vaccari não são
verdadeiras. Trata-se de manifestação de alguém que está, há muito tempo,
negociando delação premiada. Dessa forma, este depoimento deve ser recebido com
total desconfiança e reservas."(Fonte: G1)