segunda-feira, 22 de maio de 2017

A PODEROSA MÁFIA

Joesley conta como infiltrou traidor entre investigadores da corrupção
Empresário afirmou em sua delação que conseguiu infiltrar um procurador dentro de força-tarefa que investigava uma de suas empresas.
Os investigadores da corrupção tinham um traidor entre eles. O empresário Joesley Batista disse, em sua delação, que conseguiu infiltrar um procurador dentro de uma força-tarefa que investigava uma de suas empresas. Disse também que tinha influência sobre um juiz federal.

A revelação, na conversa com o presidente Temer, joga o Poder Judiciário no escândalo que já envolve Executivo e Legislativo.
Joesley Batista: Aqui eu dei conta de um lado o juiz, dar uma segurada. Do outro lado, o juiz substituto, que é um cara que ficou...
Michel Temer: Está segurando os dois?
Joesley Batista: Tô segurando os dois.
Michel Temer: Ótimo, ótimo.
Joesley Batista: Eu consegui um procurador dentro da força-tarefa que tá, também tá me dando informação.
No depoimento que prestou aos procuradores quando entregou a gravação da conversa feita com o presidente Temer, Joesley Batista disse que essa afirmação de que controlava juízes e procuradores eram uma bravata. E o presidente usou isso no pronunciamento que fez na tarde de sábado (20).
“No depoimento, podem conferir, disse que havia inventado essa história, que não era verdadeira, ou seja, era fanfarronice que ele utilizava naquele momento”, disse Michel Temer em pronunciamento.
O que o presidente não citou é que no dia 27 de abril Joesley voltou a depor e fez uma retificação. Disse que não era só bravata. E apresentou documentos e provas.
Procurador: E por que o senhor mudou de ideia ao trazer este fato?
Joesley Batista: O nosso relacionamento, enfim, a nossa vinda aqui, a seriedade com que a gente tem tratado os assuntos, me encorajou a acreditar que eu estou em um ambiente seguro, tratando de um jeito seguro.
Joesley contou que tinha um procurador infiltrado no grupo de combate à corrupção. Ele parecia acima de qualquer suspeita. Membro da força-tarefa da Operação Greenfield, que investiga o uso fraudulento de dinheiro de fundos de pensões para a Eldorado Celulose.
Diretor da Associação Nacional dos Procuradores. Lotado no Ministério Público Eleitoral, no TSE. Fazia a ligação do MPF com o Poder Legislativo, onde chegou a discursar defendendo uma das dez medidas contra a corrupção - a que criminaliza o caixa dois. “É preciso que não só aquele que está pagando a propina seja punido, mas sobretudo aquele partido ou aquele candidato que esteja recebendo também o seja”, disse Ângelo Goulart Vilela na ocasião.
Quando Ângelo foi preso, na quinta-feira (18), o procurador-geral Rodrigo Janot falou em "gosto amargo" de descobrir um traidor em suas fileiras.
“Isso além de um crime, é um crime extremamente grave e é uma traição ao Ministério Público. As provas são sólidas. A investigação e a medida foram amplamente justificadas”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti.
O intermediário entre Joesley Batista e o procurador é Willer Tomaz, um advogado que tem escritório em uma casa no Lago Sul, em Brasília. Ética é o primeiro compromisso que aparece no website do escritório. Mas ali dentro, Joesley disse que o que advogado ofereceu foi influência no Judiciário.
Joesley Batista: Dentro dos honorários que ele pediu, cobrou, que a gente negociou, na realidade, ele incluía, dizendo que ele tinha muita proximidade a um juiz chamado Ricardo.
Procurador: Sabe o sobrenome do juiz?
Joesley Batista: Ricardo Soares Leite. Que tinha muita influência, muita amizade, que o juiz ia na casa dele. Ele foi muito claro. Disse ‘olha, com o Ricardo eu não tenho nenhum negócio financeiro. Eu sou amigo dele, a gente janta juntos, nós temos ótima relação, as nossas mulheres se conhecem e eu acho que posso influenciar’. E foi dentro desse contexto que nós contratamos.
O preço para o homem que se dizia amigo do juiz e que poderia ter influência no resultado da Operação Greenfield: “R$ 4 milhões de honorários pela causa e R$ 4 milhões se tivesse êxito, o arquivamento do inquérito”, explica Joesley Batista em depoimento.
Ricardo Soares Leite, juiz substituto da 10ª Vara Criminal de Brasília, foi quem mandou suspender as atividades do Instituto Lula alegando atender pedido do Ministério Público - que não havia sido feito. A medida foi suspensa esta semana.
Em 2015, o Ministério Público pediu que o juiz Ricardo Leite fosse afastado de outra operação, a Zelotes, por ter "atrapalhado ou até comprometido" o avanço de investigações.
Tanto Joesley quanto o advogado dele, Francisco de Assis e Silva, negam ter se encontrado com o juiz ou recebido algum benefício no processo. Em nome do juiz, a assessoria da 10ª Vara Federal de Brasília disse que a firmação de benefícios no processo é totalmente infundada e que a 10ª Vara já tomou diversas decisões em desfavor dos interesses da JBS.
Mas outra promessa feita por Willer Tomaz, a de comprar um procurador, teria sido cumprida.
O advogado de Joesley disse que foi apresentado ao procurador Ângelo Goulart durante uma reunião no escritório de Willer.
"Entrou uma pessoa na sala, ele apresentou como Ângelo, Ângelo Goulart. Apresentou essa pessoa, dizendo que seria procurador da República, e que comentou, salvo engano, que ele iria pro time do Anselmo, compor o grupo de trabalho ou força-tarefa da Greenfield", diz Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS.
Ângelo, que nesse momento tinha a confiança dos colegas, já sabia que entraria para a equipe do procurador Anselmo Lopes, chefe da força-tarefa da Greenfield. A nomeação foi confirmada pouco depois.
Joesley Batista: O Willer Tomaz mandou mensagem pro Dr. Francisco com a nomeação no Diário Oficial do Ângelo. Foi quando Francisco me disse ‘Joesley, curioso. Aquela pessoa que eu tinha escutado lá na reunião, com o nome de Ângelo, se dizendo procurador da República, parece que é verdade. Ele foi nomeado, ele faz parte agora da força-tarefa da Greenfield’.
O primeiro serviço que teria sido prestado pelo procurador foi entregue em um hangar de aviões privados do aeroporto de Brasília. Willer apresentou a gravação de uma reunião da força-tarefa. E contou do acerto que fez com o procurador infiltrado.
Joesley Batista: ‘Ah, ele está vindo, vai trabalhar, vou dar R$ 50 mil de ajuda de custo para ele ficar em Brasília, pra enfim, passar informações pra nós e tal’.
O advogado da JBS teria se encontrado pessoalmente com Ângelo num jantar na casa de Willer Tomaz.
Francisco de Assis e Silva: Eu falei ‘como você gravou aquela audiência cara?’. Ele falou ‘ó, eu vi que era um assunto ali que interessava vocês, eu fui no banheiro, perdi parte da audiência porque voltei depois me preparei com o celular e gravei, aí mandei pro Tomaz’.
Em outra ocasião, foram documentos que Tomaz entregou ao advogado de Joesley.
Francisco de Assis e Silva: Ele falou assim ‘tá aqui ó, quero ver que advogado em Brasília que te entrega isso aqui’. E me entregou uns relatórios. Era relatório da força-tarefa.
Mas a grande jogada seria livrar a JBS de uma multa de mais de R$ 500 milhões. O advogado da JBS queria que o procurador infiltrado convencesse o procurador-chefe da investigação Greenfield a aceitar o cálculo da empresa, e não o do Ministério Público, para pagamento de indenização.
Francisco de Assis e Silva: O resultado financeiro desse convencimento dele junto ao Dr. Anselmo valeria R$ 578 milhões pra empresa. O êxito é o seguinte, dos R$ 578 milhões pro zero, tem uma parcela de êxito pro procurador, que nós colocamos no chinelo os honorários do Willer. Já pagos pro Willer. São ‘x’%’, só me diz qual é o ‘x’ que a gente conversa. Aí eu pego no braço dele, do Ângelo, e pergunto ‘tá claro pra você isso?’. Ele disse ‘tá claro’. Eu perguntei umas duas, três vezes.
O advogado intermediário Willer Tomaz foi preso na quinta-feira (18). Mesmo dia em que o procurador foi para a cadeia, exonerado dos cargos que ocupava e afastado da Associação dos Procuradores. Ele é investigado pela Corregedoria num processo que pode levar à perda do emprego com salário de quase R$ 30 mil por mês. Sem contar a condenação criminal.
“Nós temos que cortar na própria carne, nós temos que apurar e sermos absolutamente intransigentes na apuração e implacáveis na apuração de fatos que envolvam a atuação de membros do Ministério Público Federal”, afirma o corregedor do MPF, Hindemburgo Chateaubriand Filho.
Em nota, o advogado do procurador Ângelo Goulart disse que "Ângelo sempre agiu conforme a lei e está à disposição para colaborar com as investigações". Willer Tomaz também nega as acusações.